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Recortes da Cultura Norte Amazônida Fundamentos do Boi Bumbá (Basílio Tenório)

Então, seguidores do FOCO AMAZÔNICO, referente ao tema em questão há que retornar na História, particularmente na História da Arte objetivando identificar os principais colunas de fundamento do Auto do Boi que deu origem aos bumbás Garantido e caprichoso e vice-versa e por força disso o fundamento da Cultura do boi bumbá em Parintins. Nossa viagem de retorno será conforme TENÓRIO, Basilio (2016) que estuda o fenômeno boi bumbá em Parintins em três grandes períodos por ele identificados como: i) Período do boi-de-roda, que vai do ano de 1917 e 1975; ii) Período do Boi-de-palco, que vai de 1975 a 1995; iii) Período do Boi moderno, que vai de 1995 aos dias correntes.
O período do boi-de-roda trata do Auto do boi conforme o “Theatro” Jesuítico na Amazônia Colonial envolvendo história, literatura, religiosidade, música, […], corporeidade e dança. Uma vez em Parintins esse mesmo Auto do Boi é enriquecido na religiosidade e na poesia dos brincantes pioneiros, com ênfase em Antônio Lindolfo Marinho da Silva, o poeta popular que entraria para a história assinando: Lindolfo Monteverde. Este, ao fundar o Boi bumbá Garantido, não apenas enriquecia aquele aspecto do legado jesuítico para a cultura brasileira na Amazônia, mas tanto criava como implantava os primeiros fundamentos da cultura do fenômeno boi bumbá em Parintins. O Boi bumbá Caprichoso, em outra ponta, se fortalecia na poesia de Artur Cid, de Curumim do Igapó e quando na segunda geração de pioneiros na história da cultura do fenômeno boi bumbá em Parintins encarava “mano a mano” o Boi bumbá Garantido na poesia do eterno iluminado Raimundinho Dutra.
Nesse mesmo tempo histórico, entre os históricos acontecimentos que enquanto enriqueciam povoavam de belo a a poética do Auto do boi em processo de transformação em Parintins há que citar: i) a Revolução Constitucionalista que militariza o fenômeno boi bumbá; ii) a Segunda Guerra Mundial que ao consolidar a citada militarização cria os “Arcos de Aliança” na estrutura do fenômeno boi bumbá; iii) a Guerra fria…
Referente à militarização do boi bumbá, em Parintins aconteceu que em 1930, em oposição a Júlio Prestes o candidato da situação, Getúlio Vargas saiu candidato à presidência da República. Derrotado em mais uma eleição centrada no voto de cabresto, típica da República Velha, mas decidido em tomar o poder Getúlio Vargas recorreu aos tenentes, que desde 1920 almejavam o poder público federal. Naquela realidade os tenentes tinham as armas, mas não tinham plano de governo; Getúlio Vargas tinha plano de governo, mas não tinha as armas. A junção das armas tenentistas ao plano de governo getulista ao arrepio do resultado da eleição teve como resultado o golpe de estado que conduziu o ilustre gaúcho de São Borja ao poder da Presidência da República. Golpe de estado que entrou para a História como “A revolução de 1930.
Inconformados ou feridos em respectiva vaidade, em 1932 a oligarquia cafeeira exigiu de Getúlio Vargas uma nova constituição e porque não foi atendida se aliou a figurões do oficialato nas forças armadas e declarou guerra ao getulismo. Assim se iniciava a Revolução Constitucionalista, justo cconflito armado que a partir de São Paulo se expandiu para o leste, para oeste e para sul do Brasil. Aconteceu que objetivando colocar as forças legalistas entre dois fogos surgiu, surgiu entre os constitucionalistas, a ideia decisiva de sublevar os exércitos do norte, ou seja, o 26º BC em Belém e o 27º BC em Manaus e levá-los para o palco das hostilidades.
O homem escolhido para aquela missão foi o professor Alarico Oliveira que seguiu para o Amazonas trasvestido de Cel. Pompa. Em Manaus sublevou uns poucos sargentos no quartel central do 27º-BC, do 26o em Belém onde, entre civis sublevou Arquimedes Lavôr e o advogado Demócrito Noronha, primo ou irmão do rábula, dentista e protético prático Balbino Noronha, que atuava em Parintins. Assim articulado se deslocou para a Cidade de Óbidos onde tomou a Velha Fortaleza, prendeu os oficiais que lá se encontravam e se tornou senhor da Cidade. Assim, portanto, a riqueza que obrigatoriamente aportaria em Óbidos, de subida ou de baixada, era logo confiscada incluindo os navios para compor a flotilha sediciosa imaginada, uma vez que intentava subir o Rio Amazonas e bombardear Manaus. O primeiro navio confiscado foi o salineiro Jaguaribe, o segundo foi o gaiola Andirá, que foram logo artilhados em guerra com o que havia de obsoleto em material bélico na Velha Fortaleza.
Em Belém, sabedor das intenções do Cel. Pompa, Magalhães Barata informou a Álvaro Botelho Maia, interventor federal no Estado do Amazonas, que logo articulou a prisão dos sargentos sublevados. Em Óbidos, o Cel. Pompa aguardava o sinal dos citados sargentos para poder agir, mas o sinal não chegava. Soube, horas depois, que ao amanhecer do dia seguinte o gaiola Rio Aripuanã atracaria no porto de Parintins trazendo a guarnição para aquela cidade. Desconhecendo, porém, que os sargentos em Manaus estavam presos decidiu antecipar a partida para bombardear a capital do Amazonas. Estratégico, enviou Arquimedes Lavôr como seu preposto direto.
Horas antes da partida, vinda de Manaus com destino a Santarém, trazendo no costado um batelão cheio de gado, atracava no trapiche de Óbidos a lancha Diana. O Cel. Pompa a apreendeu, confiscou o gado que foi embarcado em um dos navios e a incorporou à frota sediciosa. Entre os passageiros se encontrava o parintinense Joaquim Gadelha que, à força, aderiu à causa sediciosa e no dia 19 de agosto, sem o batelão, a Diana deixava o porto de Óbidos singrando o Rio Amazonas acima. Horas depois aportava na cidade de Juriti que foi saqueada. Feito assim, a Diana seguiu para Parintins.
Às duas da madrugada a lancha Diana atracava no cais do porto de Parintins. A cidade dormia; o prefeito, Dr. Leopoldo Neves (mas conhecido e querido pelo povo como Pudico ou Dr. Pudico), também, mas de repente foi acordado com toques insistentes em sua porta. Ele levantou-se, foi até a porta e no instante em que a abriu recebeu voz de prisão. Surpreendido, seguiu para a prisão levado por Arquimedes Lavor. Ato seguinte exigiu-lhe as chaves da prefeitura e do cofre municipal, o prefeito se recusou a entregar e Lavor passou a torturá-lo, justo momento em que lhe chegou a informação de que a lancha Diana havia desatracado e sumia a todo vapor rio acima.
Naquelas alturas os cabos submarinos do telégrafo já haviam sido cortados e as autoridades locais se encontravam presas, na cadeia pública. A notícia se espalhou rapidamente e os quase 3000 habitantes da cidade, apavorados, fugiram para as matas do Palmares. Em São José, na Baixa da Xanda, mais precisamente, ao saberem que o prefeito Leopoldo Neves estava preso ou refém dos sediciosos, Raul Góes e Jurandir Mecânico arregimentaram os valentes brincantes fundadores do Boi bumbá Garantido, os armaram com rifles calibre 12, com espingardas, muita bala e, à frente deles, desceram para a cidade onde ofereceram combate aos sediciosos; combate à bala.
O histórico combate aconteceu no quadrante, entre a Rua Faria Neto e o Caminho da Francesa hoje a belíssima Avenida Amazonas, entre a Rua Senador Álvaro Maia e a Rua Clarindo Chaves. Sobre esse episódio, em tão simpático cabuquês, nos conta Fortunato Reis:

Ispalhado dentro do mato “uzomi” aguardavu o sinar do Raul Góes e de Jurandir Mecânico que num demurú a chegá. De repente a coruja piú e os disparo de rifle calibre 12 e de ispingarda vindo de tudo que é lado pipocavu na madrugada. Encurralaru os sidiciuso, mas eles tinham o Dr. Pudico (Leopoldo Neves) como refém. Então o Arquimedes Lavur gritú: ‘Homens de Parintins, deponham suazarma e se entregue; caso contrário vamos matá o prefeto de vucês’; e pra confirmar que falava a verdade apertú (os testículos) o culhão do Dr. Pudico, eu mano. Foi ouvir aquele grito de dur, Raul Góes e Jurandir Mecânico liberaru seus cumpanheiro e se entregaru. Afinar, o prefeto tava vivo. Já prisiuneros, Raul Góes e Jurandir Mecânico furu fazê cumpanhia pro Dr. Pudico, na cadeia pública.

Na cadeia pública, além do prefeito Leopoldo Neves, de Raul Góes e de Jurandir Mecânico, também se encontravam o Juiz da Comarca, Dr. João Corrêa, o delegado de polícia, o rábula e dentista Balbino Noronha, o promotor Marcos Zagurí. Arquimédes Lavôr, por sua vez, sem poder comunicar-se com o Cel. Pompa e com a sargentada, em Manaus, começava ficar preocupado. Enquanto isso o gaiola Rio Aripuanã e o transatlântico Baependy desatracavam do porto de Manaus, do porto na enseada do Marapatá mais precisamente trazendo, a bordo, a guarnição para Itacoatiara e para Parintins, mas era tarde demais. Saíram com mais ou menos um dia de atraso e isso estava sendo fatal para Parintins e tão logo para a Cidade de Itacoatiara.
Ao amanhecer do dia 22 daquele mês de agosto o restante da flotilha sediciosa chegava a Parintins; o gaiola Andirá atracou no cais do porto; o Jaguaribe fundeou à altura da boca do Paraná do Limão. Uma vez em terra firme, os sediciosos se dividiram em dois grupos e impiedosamente saqueavam a cidade. O grupo de Arquimedes Lavôr, tendo à frente o prisioneiro Joaquim Gadelha, adentrava o comércio espancando proprietários, fregueses, esvaziando prateleiras, gavetas, cofres, os comerciantes que mais sofreram foram os judeus; que foram bestializados. Tudo foi levado para bordo do Andirá.
À tarde os prisioneiros foram levados para o mesmo navio. Feito assim, os navios Andirá e Jaguaribe levantaram âncoras e os sediciosos deixavam Parintins; partiam rio acima rumo a Manaus. A partir da boca do Paraná do Limão, usando de um escaler, iam deixando as autoridades na beirada, uma por vez, à mercê das formigas de fogo, dos carapanãs, do frio e da fome.
O fato de a guarnição ter deixado (a enseada do Marapatá) o porto de Manaus com mais ou menos um dia de atraso provocou a histórica Batalha Naval de Itacoatiara coroando a proeza do Capitão de corveta Lemos Bastos e o destemor do Cabo Encarnação. Esse, anos depois, na condição de Cel. Encarnação seria o principal incentivador e fonte histórica do escritor Idelfonso Guimarães (1984) quando proposto em escrever “Os dias recurvos”.
Fato foi que ao amanhecer do dia 25 (de agosto) o gaiola Rio Aripuanã aportava em Parintins, trazendo um contingente de 80 soldados para guarnecer a cidade. Assim que desembarcaram os soldados cavaram uma trincheira no barranco rente ao Rio Amazonas, um pouco abaixo do cais do porto. O povo, pensando serem outros sediciosos, se apressou em fugir novamente para as matas do Palmares, mas foi contido pelo prefeito, Dr. Leopoldo Neves.
Concluído o serviço, segundo a ordem de revezamento, os soldados tomavam posição na trincheira. O povo era a plateia; os donos de bumbás e respectivos brincantes também. Por ordem do comando a margem do rio, em frente a cidade, foi dividida ao meio. Quem estivesse acima não podia descer e vice-versa. O obrigatório toque de recolher afetava particularmente a boemia em Parintins, cujos filhos passaram a hostilizar a guarnição. A recíproca vinha na forma de prisões arbitrárias e outras perseguições.
Assim a guarnição atuava em Parintins, naquela missão, se os soldados não estavam na trincheira ou prendendo caboco a torto e a direito, após o toque de recolher, estavam pelos quiosques tomando cachaça. Era justamente onde comentavam a batalha naval de Itacoatiara exaltando o sucesso das forças legalistas, na epopeia em que levaram a pique a flotilha sediciosa. Assim, vaticinando o destino da velha Fortaleza de Óbidos diziam estar vindo um couraçado, da Marinha brasileira, para bombardear aquela Fortaleza e concluíam: “…não vai ficar pedra sobre pedra”.
Ora, se os soldados da guarnição vaticinavam a derrubada da Fortaleza de Óbidos os donos de bumbás e respectivos brincantes viajavam naquelas narrativas. Assim, portanto, se os primeiros sonhavam enquanto militares os segundos sonhavam enquanto brincadores de boi bumbá em Parintins. Fato é que em função disso, a partir do ano seguinte, os segundos passariam a brincar o fenômeno boi bumbá defendendo trincheiras e derrubando fortalezas conforme a poética da rivalidade, ao redor das fogueiras.
Fato é que por força da Revolução Constitucionalista na Amazônia, em 1933, adicionando palavras militares como: “bombardeio, trincheira e fortaleza” ao vocabulário próprio dos seus fundamentos estava militarizado o fenômeno boi bumbá em Parintins. No mesmo ano, da trincheira do Boi bumbá Garantido Lindolfo Monteverde disparava o primeiro petardo direcionado à fortaleza do Boi bumbá Caprichoso, na forma desta toada:

Derrubar a fortaleza
Lindolfo Monteverde

Este ano eu vou no teu curral
Derrubar a fortaleza
E tomar conta do lugar
Mas o contrário correu, correu,
Só de um urro
Que o Boi Garantido deu.

Da Fortaleza do Boi bumbá Caprichoso, Curumim do Igapó contra-atacou disparando seus canhões poéticos em direção à fortaleza do Boi desafeto, na forma desta toada:

Não tiveste coragem
Curumim do Igapó

Viestes derrubar a fortaleza
Mas não tiveste coragem
De meter o teu fucinho
Não teima que por aqui você não passa
O resultado é tu voltar
No teu caminho.

A contribuição da Segunda Guerra Mundial foi a ordem dos fundamentos que justificava da rivalidade no viés dos “Arcos de Aliança” entre os bumbás Garantido e Caprichoso. Os referidos arcos de aliança surgiram no tempo histórico em que o Mestre Luiz Gonzaga respondia como o quinto dono Boi bumbá Caprichoso, por força da poesia do eterno iluminado Raimundinho Dutra. Fato é que, uma vez militarizado, de repente era deflagrada a segunda Guerra Mundial. Em função disso passou-se a brincar de guerra ao redor das fogueiras pelas ruas de Parintins e foi justamente quando surgiram os arcos de alianças, ou seja, bumbás e respectivos conjuntos folclóricos liderados ou pelo Boi Garantido ou pelo Boi Caprichoso.
Assim, portanto, brincava-se o fenômeno boi bumbá no imaginário de um conflito armado, cujo resultado eram os desafios em forma de versos e toadas e das brigas de ruas que entraram para a história como: encontros de boi. Esses encontros, antes para o exercício da trova e para brigas de touro ao redor das fogueiras, passaram ser exercícios de desordens centradas em brigas de rua entre assistências e os conjuntos folclóricos dos bumbás. Entenda-se que a poética da rivalidade sempre existiu no fenômeno boi bumbá, mas em Parintins, em que pesem os episódios que conduziram à fundação do Boi Caprichoso, a referida ganhou requintes de perversidades a partir de 1941.
Aconteceu quando Nascimento Cid respondia como dono do Boi bumbá Caprichoso. Na temporada junina daquele ano houve uma briga generalizada entre os conjuntos folclóricos de Caprichoso e Garantido, cujo desaguar foi tanta gente machucada e a prisão de 42 brincantes e do próprio Boi bumbá Caprichoso. Depois de uma noite no xadrez o citado bumbá foi queimado em praça pública pelo Capitão-PM Idelfonso. A partir de então o referido bumbá buscava vingar-se a cada temporada junina e o Boi bumbá Garantido, por sua vez, se defendia também atacando e a guerra prosseguia.
A poética da rivalidade se iniciava nas toadas sequenciadas pelos versos maliciosamente satíricos, prosseguia nas brigas de rua conforme a pujança das turmas organizadas e quase sempre terminava na polícia. A Turma, na estrutura do boi bumbá remete à rapaziada da segunda geração de pioneiros entre a assistência que compunha a (infantaria) linha de frente nas brigas de rua.
Cada bumbá tinha a sua turma e o encontro entre elas caracterizava a “guerra” inspirando as mais belas toadas de desafio, cantadas enquanto as turmas se enfrentavam. Como protagonizavam fatos sociais chegava a polícia baixando o cacete, prendendo os brigões, mais uma oportunidade em que entrava em cena a figura do Padrinho do boi que, utilizando o próprio prestigio, articulava a soltura da turma do seu boi afilhado.
A figura do padrinho do boi (bumbá) surgiu entre os anos 1949 e 1950 por força da juta (trazida pelos colonos japoneses em 1933) enquanto fator de riqueza no Amazonas e fora consolidada com a adesão da pecuária. A maioria entre os padrinhos do Boi bumbá Garantido proviera da juta, a maioria dentre os padrinhos do Boi bumbá Caprichoso procedera da pecuária.
O padrinho do boi era um homem considerado rico, referência na comunidade pelos serviços prestados, que pagava ou que ajudava pagar as contas do boi; que era ouvido antes de qualquer decisão para a temporada junina. Era o diplomata do boi, entretanto, diretamente envolvido nos citados fatos sociais. Nesse caso, se os arcos de alianças surgiram em função da Segunda Guerra Mundial logo cultuavam a guerra que tinha por fundamento as cinco grandes questões: a questão dos currais, a questão das cores, a questão da toada, a questão do baião, a questão dos quarteirões.
Na questão dos currais o Boi Garantido superava o Boi Caprichoso porque sempre teve um único dono e o mesmo curral, justamente o terreiro de Lindolfo Monteverde, o seu fundador, na Baixa da Xanda. Já o Boi Caprichoso, sempre passando de dono em dono e cada dono o levava para determinado local, portanto, não tinha curral definido. Daí a questão dos currais.
Na questão das cores envolvendo a simbologia nacional o Boi Caprichoso superava o Boi Garantido. Ora, o conjunto folclórico do Primeiro tanto cultua como veste a cor azul e do Segundo tanto cultua como veste a cor vermelha. Por conta disso afirmava o Boi Caprichoso que (a cor vermelha) o encarnado não está na bandeira brasileira e o Boi Garantido, afirmava que o encarnado está, sim e só o seu desafeto não via.
Na questão da toada, ainda que fosse e que cultuassem ou que cantassem o mesmo gênero de poesia entoada e estilo de ritmo semelhantes, o Boi Garantido afirmava que os seus cancioneiros eram melhores que os cancioneiros do Boi Caprichoso. Este revidava afirmando que os seus cancioneiros eram os melhores e haja versos e toadas de desafio e de desagravo.
Entende-se a questão do baião como extensão da questão da toada. A toada de boi, muito embora “repetitiva”, todavia, possuía o lirismo das baladas medievais e a beleza do samba canção indexadas ao épico ibero/amazônida, próprio da poética do fenômeno boi bumbá. Por força disso o baião também teve a sua influência no ritmo do boi bumbá em Parintins. Não consta que o Boi Garantido houvesse utilizado o estilo baião em suas toadas, no que era criticado pelo Boi Caprichoso que as usava daí a deAmrósio:

Toada mal feita
Ambrósio

Contrário, queres me botar defeito
Tens inveja, tens despeito
Te aproveitas de baião
Pra tirar toada mal feita…
Tens o sangue de assassino
Baião queres estragar
Contrário não és de nada
Você tem que respeitar
Garantido é o maioral.

Na questão dos quarteirões, assim como a Segunda Guerra Mundial dividiu o Ocidente em dois blocos econômicos, de igual forma o processo de militarização do fenômeno boi bumbá dividiu a Cidade de Parintins. Onde hoje se ergue a Catedral de Nossa Senhora do Carmo, era e continua sendo o marco divisor. Lado (leste) de baixo, quarteirão do Boi bumbá Caprichoso e seus aliados; lado (oeste) de cima, quarteirão do Boi bumbá Garantido e seus aliados.
Aconteceu que conforme esta simbologia, ao final dos anos 1950 o Caprichoso ameaçou invadir o quarteirão do Garantido para bombardear o bairro de São Benedito. Fez isso cantando assim:

Malcreado de nascença
Autor desconhecido

Boi Caprichoso
É boi “malcreado” de nascença
Foi a natureza que o criou
Arreda da frente, contrário
Se não vai voar aos pedaços
Caprichoso vai pra cima
Vai bombardear teu bairro.

O Boi bumbá Garantido, obviamente, contra-atacou com outra ameaça, todavia, na forma de uma bela toada e tão bela quanto a toada do Boi bumbá Caprichoso. Esta toada:

Meu quarteirão
Vavazinho

Não passa contrário
O meu quarteirão tá ocupado
Quem manda neste pedaço
É o Garantido falado
Olha contrário
Se houver alteração
Eu vou reunir minha turma
Eu te quebro de pau
E te deixo no chão.

Era na questão dos quarteirões, entrelaçada às demais grandes questões que apareciam as citações: bombardeio, contrário, trincheira e fortaleza, oriundas da militarização do boi bumbá por força da revolução constitucionalista e consolidada pela Segunda Guerra mundial. Acrescente-se que nos dias em questão, de Parintins e respectivo entorno os arcos de alianças se estendiam para outros rincões medioamazônidas, sobretudo, para o Município de Barreirinha e respectivas comunidades pelo Rio Andirá adentro.
A Guerra fria, enquanto extensão da Segunda Guerra Mundial, sua contribuição na história da cultura do boi bumbá em Parintins foi o desafio diferenciado entre os arcos de alianças. Diz-se, então, que enquanto o Boi Garantido proclamava e decantava a corrida espacial entre os EUA – Estados Unidos da América e a URSS – União das Repúblicas Socialista Soviéticas o Boi Caprichoso proclamava e decantava a inauguração de Brasília. As duas situações remetem ao tempo histórico que, em Parintins, somente os ricos possuíam rádio, todavia, os cancioneiros vinculados ao boi bumbá sempre encontravam formas de se informar sobre a corrida espacial e a construção de Brasília.
Fato foi que em 1960, ao apoio e amparo do arco de aliança do Boi bumbá Garantido, Ambrósio compôs e o conjunto folclórico vermelho e branco cantava ao redor das fogueiras pelas ruas de Parintins.

Vou Deixar São José
Ambrósio

Os russos querem saber
Se a é um planeta habitado
Se eles disserem que é
Eu vou brincar boi na
Vou deixar meu São José.

No arco de aliança do Boi bumbá Caprichoso dois saudosos cancioneiros contracenaram em exaltação à inauguração de Brasília: Kidóco Teixeira pelo Boi bumbá Campineiro do Aninga e Raimundinho Dutra, pelo Boi Caprichoso. Era noite de 24 de junho de 1960, justa noite em que organizado pelo padrinho “Zé Nossa” aconteceria o encontro entre os bumbás Caprichoso e Campineiro do Aninga em seu terreiro e tão somente para decantar a inauguração de Brasília. Kidóco, cancioneiro do Boi Campineiro contemplou, em seu poma entoado, o desejo de tantos em Parintins em visitar Brasília. Contemplou em recortes da história de Parintins no tempo da juta enquanto fator de riqueza envolvendo a realidade da época. Fato foi que o conjunto folclórico do Boi Campineiro chegou cantando assim:

Terno branco
Kidóco

Ganhei dinheiro
Vou passear em Brasília
Vou comprar meu terno branco
Na R. B. Baptista.
Eu compro linho
Também compro miudeza
Vou comprar minha passagem
Na agência do Lloyd Brasileiro.

Na oportunidade, Raimundinho Dutra, então amo oficial do Boi Caprichoso, versejou em exaltação a Kidóco e à toada que ele havia cantado momentos antes e, para que aquela noite entrasse para a história, no alvor do “terno branco” de Kidóco, alçou a voz e cantou assim:

Rainha do sertão
Raimundo Dutra

Povo brasileiro
Veja que admiração
Uma cidade maravilhosa
Que surge em pleno sertão.
Viva ao Brasil,
Viva Dr. Juscelino
Que sonhou desde menino
Fazer essa grande construção.
Aceita Brasília, oh cidade admirável
Evocada nesta rima,
Eis a tua exaltação.
Cidade querida, adorada,
Pelo mundo admirada
Salve a Rainha do Sertão.

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