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Antonio Cruz/ Agência Brasil 

“As mortes causadas pela covid-19 machucam todo o país”, diz o vice-presidente brasileiro Hamilton Mourão, em entrevista à EFE, cujas declarações contrastam com as do chefe de estado, Jair Bolsonaro, que minimizou repetidamente o impacto do doença.


Mourão, general da reserva, estima que o controle da pandemia (atualmente são registradas mais de 1.000 mortes diárias) será a partir do final de agosto ou setembro, com o fim do inverno.


Até esta quinta-feira (30), a covid-19 havia causado 91.263 mortes no Brasil e 2,6 milhões de contaminados. O gigante sul-americano é o segundo país mais afetado do mundo pela pandemia em números totais.

“Acho que a atitude do presidente foi tentar manter a população sem um nível de terror, embora que a doença fosse grave e que precisava ser protegida, mas sem ser o fim dos tempos”, afirmou.
Bolsonaro chegou ao ponto de chamar a doença que ele próprio contraiu como “gripezinha” e que ele já afirmava ter curado. Publicamente parecia se mostrar mais preocupado com o impacto econômico do confinamento do que com o trágico saldo de mortes por coronavírus.
Na entrevista, Mourão, de 66 anos, também quis deixar claro o compromisso ambiental do governo brasileiro na preservação da Amazônia, uma demanda de vários países europeus e grandes fundos de investimento, além de negar a existência de uma política negativa em relação aos povos indígenas.
O vice-presidente apoia o controverso veto de Bolsonaro que isenta o governo da obrigação de fornecer água potável às aldeias indígenas.
Mourão, que entrou na reserva das Forças Armadas após 46 anos de serviço, negou que o Executivo brasileiro seja de natureza militar como o venezuelano, embora o próprio Bolsonaro seja capitão na reserva e haja outros nove ministros com treinamento militar.
O que está acontecendo com o Brasil, que continua sendo um dos países mais afetados pela covid-19 no mundo?
No Brasil, muitas comparações foram feitas com a França, o Reino Unido e a Espanha, mas somos um país de contrastes, com acentuadas diferenças nos níveis de desenvolvimento, distribuição de renda e capacidade dos agentes públicos de agir, o que impossibilita a adoção de uma estratégia unificada (…) Nosso sistema de saúde tem sido bem-sucedido, pois a taxa de mortalidade de casos vem caindo. Ou seja, os protocolos que a medicina vem implementando, pouco a pouco, vêm reduzindo o número de mortes, apesar de serem comparativamente altos.
O Brasil investiu mais do que a média dos países avançados e quase o dobro dos países emergentes para combater os efeitos econômicos da pandemia. Por exemplo, o programa de auxílio emergencial.
De qualquer forma, do meu ponto de vista, a verdadeira pós-pandemia acontecerá quando tivermos uma vacina. Até lá, estaremos sujeitos a surtos ocasionais desta doença.
Quando você acha que a doença estará mais controlada, abaixo de 1.000 mortes por dia? O general Eduardo Pazuello deveria permanecer como ministro da Saúde ou eles já estão pensando em um substituto, que seria o quarto ministro da pasta neste ano? (Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich saíram em abril)
Acho que o presidente Bolsonaro, em algum momento, fará um ministro da Saúde, digamos, definitivo. Pazuello veio inicialmente, lembre-se, para ser o secretário executivo do ministro Teich (que passou um mês no cargo). Para organizar e facilitar a questão logística para Teich (…)
Sobre quando haverá uma redução no número de mortes, acho que quando sairmos do inverno, do inverno do sul. Agora estamos em um momento favorável para a proliferação de doenças respiratórias (…) Então, de acordo com nossos dados, será no final de agosto e em setembro. Esses dados foram mantidos desde a administração do ministro Mandetta (saiu em abril devido a discrepâncias com Bolsonaro).
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde, que coleta dados sobre a doença nas 27 regiões do país, estima até 150.000 mortes até o final deste ano.
Evito de fazer esse tipo de cálculo. A última vez que me lembro de corpos sendo contados foi na Guerra do Vietnã (1955-1975), algo que era feito diariamente. É óbvio que esse número de mortes é um número que machuca o país como um todo, pessoas que perderam entes queridos. Eu próprio tive três bons amigos que sucumbiram à doença, mas é difícil fazer um prognóstico. Se a escalada continuar, podemos atingir esse número de mortes. Lembremos que 1,5 milhão de pessoas morrem todos os anos no Brasil, por diferentes causas. Não se avaliou se essa proporção continua, porque não tem tido, por parte da imprensa, essa atenção intensa sobre o número de mortes por violência urbana e tráfico, que podem ter diminuído. Portanto, é difícil fazer uma projeção.
Donald Trump e Bolsonaro estão entre os líderes com as atitudes mais céticas sobre o coronavírus. Você acha que a atitude do presidente impediu a luta contra a doença?
Aqui vemos uma dicotomia, uma contradição. Grande parte da mídia diz que Bolsonaro não tem capacidade de liderança para fazer com que as pessoas o sigam, mas acontece que essas mesmas mídias dizem que ele seria o grande propagador de uma certa indiferença sobre a doença. Eu acho que não. Eu acho que a atitude do presidente foi tentar manter a população sem um nível de terror e fazê-los ver que a doença era grave e que tinha que haver proteção, mas não era o apocalipse, não era o fim dos tempos, não era o Armagedom que havia chegado… A doença acabou sendo politizada dentro de tudo o que está acontecendo no mundo.
Desde o ano passado, a Noruega e a Alemanha congelaram contribuições para o Fundo Amazônia – um veículo para levantar doações para a preservação da maior floresta tropical. Como está o diálogo com esses dois países, que são os principais contribuintes?
O que aconteceu foi que, no ano passado, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tentou fazer uma auditoria sobre a distribuição dos recursos do Fundo Amazônia (…) Isso levou a uma desaceleração nas discussões, o comitê de regulamentação do fundo foi dissolvido (…), mas, este ano, após a criação do Conselho Nacional da Amazônia (que o próprio Mourão coordena), retomamos as conversas com os representantes dos dois países (Alemanha e Noruega). Eles primeiro querem ver sinais efetivos de comprometimento na redução das ilegalidades do desmatamento e queimadas e depois desbloquear novamente o recurso disponível no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico.
Quantos recursos estão parados e quando estarão disponíveis?
Cerca de R$ 1.600 milhões que não possuem nenhum projeto e R$ 1.200 milhões em projetos em análise, um total de R$ 2.800 milhões, além do que está em aplicações financeiras, que deve ser cerca de R$ 300 milhões a mais. São cerca de R$ 3.000 milhões. Nos próximos dias, anunciaremos resultados positivos como resultado da Operação Verde Brasil 2 em relação à queda nas taxas de desmatamento e ao número de queimadas (…) Quando essa taxa de queimadas ficar abaixo do mínimo histórico, teremos então argumento para voltar à mesa de negociações e reabrir o fundo. Talvez em setembro ou outubro.
Chamo a atenção de alguns vetos do presidente Bolsonaro sobre a distribuição obrigatória de serviços e suprimentos nas aldeias indígenas. Como é a relação entre o governo e os povos indígenas?
O Brasil tem cerca de 1 milhão de indígenas, entre eles, 750.000 estão na Amazônia, em uma área de 1,1 milhão de quilômetros quadrados, uma área principalmente de selva. Essas medidas que foram consideradas obrigatórias pelo governo federal foram completamente inócuas e o governo não pôde fazer mais do que estava fazendo. Um delas, típica, foi a distribuição de água potável naquele 1,1 milhão de quilômetros quadrados na selva. Como o indígena se abastece de água hoje? Da água dos rios que banham as terras onde vivem. Como seria a distribuição de água? Em garrafa de plástico? Para poluir ainda mais a selva. Parece que as pessoas não raciocinam no momento e acreditam que o presidente está negando o acesso dos indígenas à água. Negativo. Eles já têm acesso e qualidade, uma água que seu corpo está acostumado (…)
Não existe uma política negativa em relação aos povos indígenas, principalmente porque, eu mesmo, como vice-presidente da República, sou descendente da Amazônia. Do lado da minha avó paterna, eles vêm da Amazônia profunda, da região de Humaitá, no sul da Amazônia. Temos contato e atenção permanente.
Você acha que pessoas de fora do Brasil gostam de dar muita opinião sobre o que é melhor para a Amazônia?
Existe uma visão frequentemente romântica do que é a Amazônia. É claro que a Amazônia é a última fronteira virgem do século 21, a outra é a Antártica. A exploração da Amazônia e a permanência do homem na Amazônia devem obedecer às opiniões de sustentabilidade, essa questão do pacto de gerações. Muitas pessoas de fora têm uma visão estereotipada do que realmente está acontecendo dentro da Amazônia. Existem ilegalidades, erros cometidos, não negamos. Houve um aumento de desmatamento, de queimadas, temos que lidar com a mineração ilegal em pequena escala (garimpo). Mas também é preciso observar que 84% da Amazônia é uma área preservada. Somente de área conservada e terras indígenas são 2.200 milhões de quilômetros quadrados, metade da área da União Europeia.
Juntamente com a Venezuela, o Brasil é o país com o maior número de militares do governo na região.
Há informações erradas sobre esse assunto (…) A grande maioria dos militares que vieram ao governo são oficiais da reserva, que ocupam cargos civis, entre 400 e 500, quando existem entre 14.000 e 15.000 cargos civis. Chamar a nós mesmos de governo militar e nos comparar à Venezuela é uma comparação fraca. Eu digo com conhecimento. Morei dois anos na Venezuela e vi o início do desmonte do país promovida por Hugo Chávez e seu grupo. Nosso governo é de centro-direita. Temos pessoas do centro e da direita, é a soma dos dois. O presidente Bolsonaro é um homem de direita, mas o ministro da Economia, Paulo Guedes, é de centro. Você não pode dizer que ele é um cara de direita total. Eu me considero como ele, um tipo de centro-direita. Tenho minha visão de direita, mas sei que, na busca pela concertação, precisamos avançar em direção ao centro para absorver o maior número possível de apoios.
Fomos eleitos após 24 anos de governos de centro-esquerda. Sofremos oposição sistemática do grupo alienado de poder e da mídia, que historicamente tem uma visão de esquerda (…) Nosso governo é liberal na economia e conservador nos costumes.
https://noticias.r7.com/brasil/as-mortes-causadas-pela-covid-19-machucam-todo-o-pais-diz-mourao-31072020