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Dez anos depois do
bárbaro crime, Bruno percebe tudo que desperdiçou, ao autorizar a morte
da modelo. E finge não ver a rejeição da sociedade

 Ao
balançar a cabeça, concordando com o plano de Luiz Henrique Romão, de
‘calar de vez Eliza Samudio’, decretou duas mortes.
 A primeira, a da mulher que teve um filho seu
e cobrava pensão alimentícia.


 A segunda, da própria carreira
promissora.

 Em junho de 2010, tinha 25 anos.
 Era titular absoluto do Flamengo.
 1m90.
 Foi injustiçado por Dunga, deveria ter sido
chamado pelo menos para a terceira vaga de goleiro na Copa da África, no lugar
de Doni.
 Recebia R$ 40 mil mensais.
 Era patrocinado pela Olimpikus.
 Kia Joorabchian, seu empresário, já havia
encaminhado a ida para jogar no Milan.
 Seus
salários chegariam a R$ 500 mil.
 Mano Menezes, que viria a substituir Dunga,
era fã de seu futebol. Era mais do que certo que iria fazer parte da renovação
da Seleção para o Mundial de 2014.
 As
qualidades técnicas de Bruno como goleiro eram indiscutíveis. Muito ágil nas
saídas, excelente explosão muscular, reflexos apurados, qualidade para sair
jogando com os pés. 
Ótimo cobrador de faltas e pênaltis.
 E
muita personalidade orientando os zagueiros.
 Estava pronto para voos maiores.
 Mas foi traído por seu gênio violento.
 Sua infância foi terrível. Foi abandonado logo
que nasceu pelo pais. Foi criado por pela avó paterna. O irmão mais velho foi
para o Piauí, com seu pai e mãe.
 A mãe se tornou foragida da justiça, por
tentativa de homicídio e fraude. O pai enfrentou sete acusações de furto
qualificado. E o irmão acabou preso, por roubo.
 Bruno foi criado na rua, jogando
futebol. 
 Se acostumou com brigas e com horas e horas na
várzea diariamente. Era um goleiro disputado.
 Percebeu a facilidade que tinha para jogar e
logo tratou de ir para a tradicional equipe de garotos, Venda Nova. Fred, do
Fluminense, e Euller, também jogaram lá quando meninos.
 Passou pelo Tombense, tentou o Cruzeiro. Mas
foi dispensado por indisciplina.
  Até que teve chance no Atlético Mineiro, em
2002, aos 17 anos. Já ganhou destaque mesmo tendo a forte concorrência de
Danrlei e Diego Alves.


  A direção do clube preparava a venda do titular
Diego Alves para a Europa.

 

 Só que antes, o então presidente da MSI, Kia
Joorabchina, ouviu falar de Bruno. O então jovem reserva do Atlético teria
potencial para ser o melhor goleiro do Brasil.
 Marcos do Palmeiras, havia titubeado. E o
iraniano decidiu apostar em Bruno.
 O tirou do Atlético Mineiro e o levou para o
Corinthians. Comprou 85% dos seus direitos.
 O então diretor de futebol, Andrés Sanchez,
ficou irritadíssimo. O clube já tinha Marcelo, além de Sílvio Luiz e
Johnny Herrera. E Andrés não havia dado seu aval para a chegada de Bruno.
 O goleiro percebeu a rejeição. 
 Eu estava cobrindo o  dia-a-dia do
Corinthians, na época. E ouvi dele. “Vim para ajudar. O clube foi me
contratar. Se não me quiserem, não tem problema. Já tenho para onde ir.”
 Ele estava falando do seu clube de coração.
 O
Flamengo.
 O jogador aproveitou uma confusão em uma
balada. Ele estava em uma danceteria, altas horas de um dia de semana, bebendo.
O filho de um diretor do Corinthians foi reprendê-lo. 
 Ouviu de voltas palavrões
contra ele e contra o clube.
 Andrés aproveitou e avisou Kia que Bruno não
iria ficar.
 O iraniano já negociava com o Flamengo, e o
goleiro iria realizar o sonho de sua vida.
 Ele chegou ao Rio. O titular, Diego, era
questionado pela diretoria e pela torcida. Logo se tornou titular absoluto. Com
espaço até para cobrar faltas. No dia  23 de abril de 2008, foi o primeiro
goleiro da história do Flamengo a marcar um gol de falta. Ganhou placa, foi
celebrado, havia se tornado ídolo.
 Seus salários eram de R$ 40 mil. Tinha uma
vida mais do que confortável. E sempre acompanhado de Macarrão, seu amigo
íntimo que o protegia e estava ao seu lado em todas as festas, que não
dispensava.


 Além
das idas às baladas ‘normais’, Bruno adorava ir para Belo Horizonte nos dias de
folgas.
 Lá participava de orgias com outros atletas.
 Foi onde começou a se relacionar com Eliza
Samudio.
 Filha de um arquiteto e uma mulher do campo,
ela teve uma infância terrível. O pai agredia a mãe, que a abandonou com ele,
aos seis meses. Ela deixou Foz do Iguaçu, onde nasceu, aos 13 anos.
 Foi para São Paulo sonhando em ser modelo.
Acabou se prostituindo. E participando de filmes pornográficos, com o ‘nome
artístico’ de Fernanda Farias.
 Ela era contratada para orgias com jogadores.
 Foi em uma delas que começou a se relacionar
com Bruno.
 O goleiro se recusava a usar preservativos com
ela.
 Até que Eliza o procurou avisando estar
grávida.
 A partir daí, sua vida virou um roteiro de
filme de horror.
  Teria sido obrigada a tomar remédios abortivos
pelo goleiro, que não deram resultado.
  E o jogador fez inúmeras ameaças para que não
tivesse o filho.


 Em
fevereiro de 2010, nasceu Bruno Samudio de Souza, em São Paulo.
 Desde então, tudo piorou.
 Eliza
passou a perseguir Bruno, exigindo dinheiro para cuidar do filho.
 Queria uma pensão alimentícia.
  Ele não reconhecia a criança como sua, já que
ela se relacionava com outros homens.
 Eliza insistia que não, que desde que começou
o relacionamento, só ficava com Bruno. E que um exame de DNA provaria o que ela
dizia.
 O jogador não quis jamais fazer esse exame.
 E nunca quis, nem depois de dez anos,
encontrar Bruninho pessoalmente.
 E, segundo ela, a ameaçava de morte, se
continuasse a persegui-lo.
 Eliza seguia usando a imprensa para pressionar
o ídolo do Flamengo.
 E chegou até a gravar um vídeo dizendo que, se
sumisse, o responsável seria Bruno.
 Ao mesmo tempo, o Milan queria o goleiro no
segundo semestre de 2010. O Zenit da Rússia também estava interessado. Mas ele
havia acertado até salários de R$ 500 mil com o clube italiano.
 “Tudo que eu quero é uma pensão
alimentícia para o meu filho. O Bruno é o pai. E tem condições de dar esse
dinheiro”, repetia Eliza.
 Mas Bruno não quis pagar.
 E quanto mais as notícias de iminente ida para
o exterior eram divulgadas, mais Eliza procurava o goleiro.
 Até que chegou Macarrão ofereceu ao jogador a
‘solução final’.
 O assassinato de Eliza.
 E foi o que ele concordou.
 Todas as investigações apontam o dia 10 de
junho de 2010 como o dia da morte de Eliza.
 Foi levada, com o filho, por Macarrão e um
primo de Bruno, que tinha 17 anos. No caminho do Rio para Belo Horizonte, foi
agredida a coronhadas. E avisada que seria morta.
 De acordo com policiais, na capital mineira, o
ex-PM Marcos Aparecido dos Santos, que tem o apelido de Bola, matou Eliza. Por
esganadura. E desapareceu com o corpo.
 O filho de Eliza, abandonado em uma favela,
foi encontrado pela polícia.
 No Rio de Janeiro, após treino no Flamengo,
confrontado pelo desaparecimento da modelo, Bruno riu, disse que ela deveria
ter viajado.
 O mundo do goleiro começava a ruir.
 Assim que as investigações começaram, a
Olimpikus cancelou o patrocínio do goleiro. 
 Os empresários que representavam Milan e Zenit
desistiram do jogador.
 O Flamengo não quis mais que treinasse.
 Até que veio a prisão, o julgamento, a
condenação.
 Hoje, aos 35 anos, Bruno implora pela chance
de voltar ao futebol.
 Com habeas corpus, em abril de 2017, jogou
pelo Boa Esporte, fez cinco partidas, e voltou para a cadeia.
 Em agosto de 2019, assinou com o Poços de
Caldas, clube da Terceira Divisão de Minas Gerais. Mas, pela pressão da opinião
pública, jogou apenas 45 minutos, em um amistoso.
 Em janeiro de 2020, foi anunciado pelo
Operário do Mato Grosso. Porém, ameaçado de perder patrocínios, o clube
desistiu. O prefeito e patrocinador do Barbalha, do Ceará, travou a contratação
do goleiro.
 Antes da pandemia, Bruno divulgou que havia
fechado contrato com uma empresa, a J-Winners. 
 Jogaria em um time pequeno do Rio e depois em
uma equipe da Europa.
 Bruno está em Arraial do Cabo, treinando todos
os dias.
 E postando nas suas redes sociais.
 Tais quais as de Neymar, devidamente censuradas.
 Não aceitam comentários o criticando.
 Basta abrir seu instagram para perceber o
gramado esburacado, a improvisada situação do humilde lugar onde treina.
 Sem ter a certeza se irá mesmo jogar.
 A sociedade rejeita sua volta.
 Ele foi condenado por homicídio.
 Pena de 22 anos e três meses de reclusão.
 Está ainda cumprindo o regime semi-aberto.
 Mesmo assim, treina. 
 Tenta se iludir como jogador de elite.
 Como se os dez anos longe da rotina do futebol
não tivessem existido.
 Mas existiram.
 Neles ficou comprovada sua participação na
morte de uma pessoa.
 É algo terrível.
Ao
concordar com o assassinato proposto pelo ‘parça’ Macarrão, Bruno não acabou
apenas com a vida de Eliza.


 Mas
com seu próprio futuro.
 Com a riqueza que seu talento lhe
proporcionaria.
 A chance na Seleção Brasileira.
 A idolatria.
 Bruno matou o que mais amava na vida.
 Sua carreira…
Fonte: R7
Foto: Erasmo Salomão