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O sargento da Marinha Aurélio Alves Bezerra, que matou o vizinho Durval Teófilo Filho com três tiros, afirmou que atirou ”para reprimir a injusta agressão iminente que acreditava que iria acontecer”.

O militar esteve na Delegacia de Homicídios às 7h45 de quinta-feira (3), pouco mais de nove horas após o crime, no fim da noite de quarta (2).

Aurélio foi indiciado por homicídio culposo — quando não há intenção de matar. A tipificação do crime pode mudar ao longo das investigações.

O corpo de Durval seria enterrado na tarde desta sexta (4).

Outros destaques do depoimento

Em uma versão do termo, Aurélio aparecia como “vítima”. A Polícia Civil explicou que isso aconteceu porque, no primeiro registro, em um primeiro momento, ele alegou se tratar de legítima defesa. “Isso já foi alterado e ele consta agora como autor”, disse a polícia.

Aurélio declarou que “teve sua atenção voltada para um homem que vinha por de trás do carro” e que “se virou para trás e sacou sua pistola”.

“O declarante [Aurélio] acreditava que seria assaltado, pois Durval estava mexendo em algo na região da cintura, o que acreditava ser uma arma de fogo”, declara o termo.

“Pelo fato de estar armado, tornou-se imperioso antecipar-se, caso contrário o declarante poderia ser vitimado”, continua o documento.
O militar também disse aos policiais que seu carro tem película escura nas janelas. “Por estar chovendo, não conseguiu ver com precisão o que Durval estava segurando”.

Leia a íntegra do depoimento

Nome: AURELIO ALVES BEZERRA

Inquirido, DISSE:

QUE ciente de seus direitos constitucionais, entre eles de ficar em silêncio, o declarante informa que ontem, 02FEV2022, por volta das 23h estava chegando em sua residência situada à Rua Capitão Juvenal Figueiredo, nº 1520, Colubandê, São Gonçalo/RJ. QUE o declarante retornava de uma viagem que teria feito ao Maranhão. QUE o declarante parou com seu automóvel Chevrolet Celta de cor preto em frente ao portão de seu condomínio.

QUE o declarante não conseguiu abrir o portão, pois o seu controle estaria com defeito, portanto entrou em contato com a síndica para pedir que essa abrisse o portão, porém foi informado que ela não poderia abrir pois também estaria sem controle, diante do fato o declarante ligou para um vizinho e este estaria indo abrir o portão da garagem.

QUE o declarante ressalta que não há porteiro no condomínio. QUE o declarante acredita que tenha ficado parado em frente ao portão durante aproximadamente 5 minutos até que do interior do veículo teve sua atenção voltada para um homem que vinha por de trás do carro, mais precisamente atravessando a rua indo aparentemente em direção do carro, pelo lado do carona, portanto o declarante, que estava sentado no banco do motorista, se virou para trás e sacou sua pistola Taurus calibre .40 e apontou para esse homem, agora identificado como DURVAL TEÓFILO FILHO.

QUE o declarante acreditava que seria assaltado, pois DURVAL estava mexendo em algo na região da cintura, o que acreditava ser uma arma de fogo, portanto para reprimir a injusta agressão iminente que acreditava que iria acontecer, o declarante efetuou 3(três) disparos com sua pistola. QUE pelo fato de estar armado, tornou-se imperioso antecipar-se, caso contrário o declarante poderia ser vitimado. QUE os disparos ocorreram do interior do automóvel e com as janelas fechadas.

QUE após o disparo, viu que DURVAL caiu ao solo, portanto desembarcou do automóvel e se aproximou do DURVAL. QUE o declarante perguntou se DURVAL estava armado, onde foi respondido que não. QUE o declarante olhou para as mãos de DURVAL onde não viu nada de suspeito, não sabendo identificar o que DURVAL estava segurando.

QUE DURVAL disse que também era morador do condomínio. QUE diante do fato pediu ajuda aos vizinhos para que pudesse socorrer DURVAL. QUE DURVAL foi levado para o Hospital Estadual Alberto Torres, onde veio a falecer. QUE o declarante informa que por seu automóvel ter película escura nos vidros e por estar chovendo, não conseguiu ver com precisão o que DURVAL estava segurando.

QUE o declarante não conhecia o DURVAL e não se recorda de já ter o visto no condomínio. QUE o declarante reside com sua esposa e informa que ambos não têm ou tiveram qualquer contato ou qualquer problema interpessoal com DURVAL ou seus familiares. QUE na localidade há uma alta incidência de crimes de roubo. QUE usuários de drogas costumam ficar pela localidade.

Nada mais havendo, mandou a Autoridade Policial encerrar o presente Termo que, lido e achado conforme, assina com o(a) Vítima.

Irmã: ‘Covardia’

Dor e indignação são os sentimentos de Fabiana Teófilo, irmã de Durval Teófilo.

“O que aconteceu foi uma covardia, porque meu irmão era trabalhador. Meu irmão nunca encostou em nada de ninguém. Ele sempre saiu de casa cedo. Minha mãe criou três filhos sozinha e nenhum seguiu vida errada. Ele era o único irmão que eu tinha e acontece um negócio desse? Ele tira a vida do meu irmão? Aí vai dizer que é legítima defesa? Não tem como. Meu irmão não tinha arma, meu irmão veio do serviço, ele veio do trabalho. Ele chegou em casa onze horas da noite”, disse Fabiana.

Vítima foi morar em condomínio para fugir da violência

O homem que foi morto pelo próprio vizinho, na porta de casa, deixou a comunidade do Capote, em São Gonçalo, há 12 anos, e comprou um apartamento na cidade em busca de mais segurança.

“Será que fosse um branco andando e mexendo na mochila, tinham atirado no meu irmão três vezes? E ele falando que ele era morador do condomínio? Será? Eu duvido. Eu duvido muito”, questiona Fabiana.

Durval trabalhou como letrista em uma plataforma da Petrobras e atualmente estava empregado como repositor de um supermercado.

‘Foi racismo’, diz viúva

Luziane Teófilo, mulher de Durval, disse que escutou os tiros. Ela afirma ainda que o marido morreu porque era preto.

“A minha filha, que tem 6 anos, estava esperando por ele. Imediatamente ela olhou pela janela e disse que era o pai dela”, narrou.

Luziane foi levada ao hospital. “A médica me falou que ele tinha sido alvejado por um vizinho que o confundiu com um bandido. Isso me deixou transtornada. Eu nunca pensei que isso fosse acontecer com um vizinho nosso”, contou.

“Vendo as câmeras, ouvindo a fala do delegado e pelo que os vizinhos estão falando, tenho certeza de que isso aconteceu porque ele é preto. Mesmo eles falando que ele era morador do condomínio, o vizinho não quis saber. Para mim, foi racismo sim”, afirmou a viúva.

O que diz a Marinha

Em nota, a Marinha do Brasil diz que “tomou conhecimento da ocorrência envolvendo um dos seus militares, em São Gonçalo-RJ, e informa que está colaborando com os órgãos responsáveis para a elucidação do fato”.

“A MB lamenta o ocorrido e se solidariza com os familiares da vítima”, acrescenta o texto.

Fonte: Notícia Max