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Responsabilizado internacionalmente, Brasil se comprometeu a combater esse crime, caracterizado pela ação ou omissão de agentes estatais no desaparecimento de vítima

No dia 14 de julho de 2013, o pedreiro Amarildo Dias de Souza foi abordado pela polícia na porta de sua casa, na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, e, depois de ser levado para prestar supostos esclarecimentos em um distrito policial, nunca mais foi encontrado. O caso se tornou símbolo de abuso de autoridade e violência policial, mas também chama a atenção para um conceito ainda pouco conhecido dentro e fora do meio jurídico: o desaparecimento forçado.

Lembrado neste 30 de Agosto, Dia das Vítimas de Desaparecimento Forçado, essa conduta criminosa é caracterizada como um tipo específico de privação de liberdade, em que agentes do estado promovem, se omitem em investigar ou mesmo deixam de prestar informações sobre o sequestro ou desaparecimento de uma vítima, violando também o direito das famílias.

“A violação desse direito ocorre enquanto a pessoa viva ou restos mortais não sejam localizados, e não ofende só a vítima, ofende também a família, que fica sem saber o que verdadeiramente aconteceu com seu familiar”, explica a defensora pública do Amazonas Karoline Santos, comentando que esse tipo de crime já levou o Brasil a uma condenação, em 2010, na Corte Internacional de Direitos Humanos, da qual o país é signatário.

“No Brasil, até hoje não temos uma lei que defina a conduta criminosa de desaparecimento forçado de pessoas tipificado. Essa é uma demanda porque o Brasil já foi condenado internacionalmente no caso do Araguaia na Corte Internacional de Direitos Humanos e assumiu diversos compromisso de combater essa conduta”, afirma Karoline, que é representante do Amazonas na Comissão de Assuntos Internacionais da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep) e membro associado da Associação de Defensoras e Defensores Públicos do Amazonas (Adepam).

A defensora cita o caso do desaparecimento forçado de camponeses e membros do Partido Comunista Brasileiro (PCB) durante operações do exército de combate à Guerrilha do Araguaia, quando agentes do Exército Brasileiro detiveram, torturaram, mataram e ocultaram os restos mortais de 68 militantes, deixando suas famílias sem saber em que condições e onde os corpos de seus parentes foram enterrados.

“Historicamente, o desaparecimento forçado foi usado nos regimes de ditadura, mas ainda hoje é instrumento de combate a adversários políticos, a pessoas que tem condutas de defesa dos direitos humanos, de parentes das vítimas de desaparecidos que querem esclarecer o que aconteceu com seu familiar, e por isso são perseguidos”.

Pobreza que condena

Além de casos de perseguição política e de ataque a militantes de direitos humanos, há muitos casos em que a condição de classe de um indivíduo é um dos fatores da omissão das instituições, que muitas vezes não se mobilizam eficientemente para a resolução de um crime cuja vítima é de origem pobre.

De acordo com o presidente da Associação das Defensoras e Defensores Públicos do Amazonas (Adepam), Arlindo Gonçalves, a Defensoria Pública do Amazonas tem, entre suas funções institucionais, a promoção de direitos humanos e a assistência jurídica gratuita aos vulneráveis, que em grande parte são as vítimas preferenciais desse tipo de conduta.
“É importante que a população saiba que pode contar com a Defensoria Pública, como órgão vocacionado a tutelar interesses dos mais diversos, podendo atuar inclusive contra ações de entes estatais, que afrontem direitos de pessoas hipossuficientes”, diz Arlindo.

 

Caso Stuart Angel

Em 14 de junho de 1971, o estudante de economia e militante político Stuart Angel foi preso, torturado e morto por membros do Centro de Informações da Aeronáutica. Acusado de participar do sequestro do então embaixador estadunidense no Brasil, Charles Elbrick. Stuart era filho do também norte-americano Norman Jones e da mineira Zuleika Angel, mais conhecida como Zuzu Angel.

Conhecida internacionalmente por seu trabalho como estilista, Zuzu Angel passou a questionar as autoridades brasileiras por uma resposta para o sumiço do seu filho. Durante anos lutou e denunciou dentro e fora do país o desaparecimento forçado do jovem. Zuzu acabou morta em um acidente de carro forjado em 14 de abril de 1976. Apenas em 2019, sua filha Hildegard Angel conseguiu obter as certidões de óbito de sua mãe e de seu irmão, Stuart.

Entrevista Karoline Santos, defensora pública do estado do Amazonas (DPE-AM)

O que é o desaparecimento forçado?

O desaparecimento forçado é um tipo de conduta criminal em que a gente tem o elemento da privação de liberdade, mas tem ainda um papel muito importante do estado nesse fato. Os agentes do estado ou foram diretamente responsáveis por essa privação de liberdade, pelo sumiço desse indivíduo ou o estado tolerou que essa conduta fosse praticada por outra pessoa ou grupo, e não tomou as medidas adequadas a respeito para garantir a localização dessa pessoa.

Por que é importante lidar com esse tema?

No Brasil até hoje não temos uma lei que tenha essa conduta criminosa tipificada. Existe um projeto de lei na Câmara dos Deputados (Projeto de Lei n⁰ 6240/2013), mas está parado. Essa é uma conduta permanente, ou seja, a violação desse direito ocorre enquanto a pessoa é viva ou enquanto os restos mortais não forem localizados. E não ofende só a vítima, mas toda sua família, que fica sem saber o que verdadeiramente aconteceu.

Há dados no Brasil ou no Amazonas a respeito desse tipo de crime?

Temos pouquíssimos dados a respeito porque a maioria dos estados não tem delegacia especializada, e quando tem, elas tratam os temas juntos, sequestros, pessoas desaparecidas… Então não existem estatísticas especificas, nem de maneira geral no Amazonas, embora continuem acontecendo (esses crimes).

Saiba mais:

Em virtude do Dia das Vítimas de Desaparecimento, a Associação cas Defensoras e Defensores Públicos do Amazonas (Adepam), publicou vídeo em suas redes sociais com a defensora Karoline Santos para explicar o conceito e a importância de se combater juridicamente as práticas desaparecimento forçado no Brasil.

Foto: Agência Pública/Creative Commons