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Manaus (AM) – Dois grandes cinemas fecharam em Manaus em menos de um ano. O cenário de exibição audiovisual nas grandes telas e salas cinematográficas é marcado por uma crise causada pelo surgimento da pandemia e pela popularização das plataformas de streaming. Para especialistas, a saída dessas salas expõe crise do setor e representa a perda de um espaço de entretenimento e de cultura para a população.

O primeira a fechar as salas de cinema foi o Playarte, no dia 6 de outubro de 2021. Já a segunda empresa a anunciar a saída da cidade foi o Cinemark, nesta segunda-feira (1°). O Cinemark iniciou suas atividades há 20 anos, com a disponibilização de oito salas de cinema. Já o Playarte ofertava dez salas.

Com o fechamento das empresas, as salas de cinema de Manaus passaram de 69 salas de cinema para 51. Além de menos salas disponíveis, outras empresas de cinema não voltaram a abrir em sua totalidade, desde o retorno das exibições de filmes no semestre passado.

Conforme o diretor de programas da TV Ufam, Caio Pimenta, antes da pandemia, Manaus era a sétima cidade com o maior número de salas de cinema. Além disso, Caio afirmou que a população demonstrava forte interesse pelo setor.

“Estávamos à frente de Fortaleza, Campinas, Recife e Goiânia, além de ter mais do que o dobro de salas de Belém (33). Tínhamos de complexos internacionais – Cinépolis, Cinemark, UCI – a nacionais – Playarte, Cine Araújo. São números e dados que demonstram este interesse”, diz Caio Pimenta.

Crise nacional

Antes da crise no setor, a capital amazonense era a sétima cidade com o maior número de salas de cinema. Porém, o fechamento das salas não se limita apenas à cidade. Segundo o levantamento realizado pela Associação das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex, houve uma diminuição de 10% de salas de cinema desde o início da pandemia no país.

Durante o período que o cinema ficou fechado em 2020, em razão da pandemia da Covid-19, muitas pessoas perceberam a saudade que as salas de cinema deixaram. Segundo a pesquisa realizada pelo Itaú Cultural, cerca de 67% das pessoas admitiram que a atividade cultural que mais sentiam falta era o cinema.

Problemas durante a pandemia

Mesmo com esse interesse do público e com a retomada das exibições de filmes nas salas de cinema, houve uma diminuição de salas de cinema no parque exibidor nos últimos anos.

Para o produtor de TV Caio Pimenta, o principal fator que ocasionou o fechamento das salas de cinema em Manaus foi a pandemia. Após o ano de 2020 e o primeiro semestre de 2021, período em que o cinema permaneceu fechado, as salas de cinema reabriram, porém tiveram que enfrentar restrições que atingiram seu rendimento.

“Em 2021, as salas passaram fechadas o primeiro semestre inteiro por conta do caos na cidade. Quando voltaram, tiveram limitações de público – as salas poderiam ter apenas 50% de ocupação e não era recomendável comer e beber nelas, atacando um faturamento fundamental dos cinemas”, diz Caio Pimenta.

Outros problemas que impactaram os complexos cinematográficos em Manaus foram a inflação, que tornou a conta de luz mais cara, e os reajustes de preços na ocupação das empresas de cinema nos shoppings. Segundo Caio Pimenta, há também o adicional da popularização das plataformas de streamings e o temor das pessoas frente a um vírus desconhecido.

“Como todos tiveram que ficar em casa, os usos das plataformas de streaming aumentaram porque eram distrações para a situação que vivemos e, claro, isso acabou afetando o cinema”, diz Brener Neves, especialista em cinema e audiovisual.

Diante de tantos obstáculos que o cinema tem enfrentado, “nem mesmo todo o sucesso do último Homem-Aranha foi capaz de contornar”, diz Caio Pimenta. Com o retorno do cinema em Manaus, a estudante de direito Giovanna Melo, de 22 anos, voltou a frequentar as salas cinematográficas. Fã de cinema desde criança, conta que os passeios em família eram marcados pelas idas ao cinema toda semana.

Entretanto, Giovana conta que a retomada das exibições dos filmes nos complexos de cinema em Manaus não foi como o esperado, visto que ela presenciou muitas salas com falta de manutenção. “Senti muita diferença no serviço. Muitas salas estão em situações precárias e com cadeiras quebras. Não estão fazendo a manutenção adequada”, desabafa Giovanna.

Impactos do cinema e importância para a população

O alcance do cinema na vida da população atinge diversas camadas, pois já faz parte do hábito social da sociedade. Portanto, a crise no cinema causa impactos culturais e de entretenimento na cidade. De acordo com o sociólogo João Alexandre, as salas de cinema ocupavam um espaço de carinho e admiração pela população.

“A população acaba perdendo esses espaços culturais que já estavam consolidados na memória afetiva de muitos deles. Eu mesmo frequentei os dois cinemas que acabaram fechando e possuo memórias afetivas de momentos alegres da minha própria trajetória como ser humano”, afirma o sociólogo.

Com o fechamento de salas de cinema em pontos de Manaus que não possuem outras opções de exibição de filmes por perto, o sociólogo alerta para o surgimento da ausência de espaços de programação cultural nessas zonas distantes dos cinemas que continuam abertos na cidade.

“Pense que uma família que mora próximo dos estabelecimentos que tinham shoppings que fecharam, agora precisam se adequar à nova dinâmica, procurando novos espaços. Pensando nessa dinâmica, a família pode acabar tendo um número de gastos maiores no deslocamento pela cidade, vide as próprias condições de mobilidade urbana numa cidade como Manaus”, diz o sociólogo.

O sociólogo Márcio Braz relembra que Manaus possui um histórico de grande aproximação com o cinema, que vem desde as primeiras exibições de filmes no Teatro Amazonas no final do século XIX, passando por todo o movimento do cineclubista, até a exibição de filmes no Cine Guarani e os cinemas de rua.

“Ou seja, Manaus sempre teve uma identificação com o cinema. Hoje, a cidade é um dos grandes produtores de filmes no Norte. Não apenas de filmes, mas também tem grandes pensadores do cinema. Temos aqui grandes diretores, grandes artistas, figurinistas, inclusive com bastante premiações”, diz o sociólogo.