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Técnico Fábio Vasconcelos fala dos desafios do paradesporto

 Ele defendeu o gol da seleção brasileira de
futebol de cinco por nove anos (entre 2003 e 2012) e faturou três ouros
paralímpicos (2012, 2008 e 2004) e um título mundial (2010). E desde 2013, como
técnico, aumentou ainda mais a lista de conquistas (ouro na Rio 2016 e nas
Copas de 2018, em Madri, e 2014, em Tóquio). Com esse respeitável currículo,
Vasconcelos disse que procura tirar algo de bom do adiamento dos Jogos de
Tóquio: “O momento é difícil. Começamos o planejamento no final do ano passado.
Um trabalho integrado com toda nossa equipe multidisciplinar: fisiologista,
preparador físico, nutricionistas. Em janeiro, começou o trabalho com bola. E
logo na sequência tudo parou. Só que, quem trabalha com alto rendimento, não
pode lamentar muito. Seguimos em contato direto com os atletas, vendo a
realidade de cada um para que, no mínimo, a preparação física não seja
prejudicada”.
 Outro ponto abordado pelo treinador é a
recuperação das lesões. “Nesse sentido, a parada é muito favorável. Ricardinho
vinha com uma lesão muscular. Cássio e Jefinho estavam adiando procedimentos
cirúrgicos para depois dos Jogos, mas os incômodos estavam muito grandes.
Agora, eles já estão bem e fazendo a preparação física”.

 Grand Prix do Japão

 O futebol de cinco foi uma das primeiras
modalidades afetadas pela pandemia. O Grand
Prix
do Japão foi cancelado ainda no mês de março. Uma chance
desperdiçada para o treinador brasileiro avaliar muitos atletas da nova
geração. “Já estávamos em contato com o nosso ex-preparador físico [Eduardo
Ugioni]. Ele recebeu uma proposta para trabalhar na China e nos passou as
informações de que o negócio era sério mesmo. Foi uma pena. Porque era mais uma
chance de testar jovens talentos. Meu esquema tático é bem intenso e preciso
muito dessas peças de reposição. Se os jovens já estão acostumados a vestir a
amarelinha é sempre melhor, geralmente as competições são longas e com jogos
todos os dias. Um dos maiores exemplos de que esse trabalho dá certo é o Tiago
Paraná. Apostei nele antes da Rio 2016, quando era bastante jovem, e hoje ele é
uma realidade”.

 Adversários

 O paraibano Fábio Vasconcelos, de 45 anos,
lembra de uma preocupação que os dirigentes tinham em 2013, quando ele assumiu
o comando da equipe. “Claro que a maior rivalidade do esporte era Brasil e
Argentina. Foram várias finais, em diversas competições. Mas sabíamos que o
futebol de cinco não podia ficar restrito apenas a esses dois times”, recorda.
 Depois disso algumas equipes se desenvolveram e foram conquistando espaço. Um
exemplo são as finais paralímpicas, que trouxeram o tetracampeonato para a
seleção nacional: em 2004, o adversário foi a Argentina. Mas, depois os
adversários foram diferentes. A China chegou na decisão em casa nos Jogos de
2008. A França perdeu para o Brasil em 2012. E o Irã foi finalista nos Jogos do
Rio de Janeiro. “Graças a Deus aquela nossa preocupação de uma modalidade
polarizada entre Brasil e Argentina no alto nível, mas isso já está
ultrapassado. Atualmente o futebol de cinco está consolidado no mundo. Um
exemplo é o próprio Peru. No ano passado, durante os Jogos Parapan-Americanos
de Lima, vimos uma equipe bastante jovem que evoluiu muito. O Japão também está
renovando. A Inglaterra é forte, mas infelizmente não se classificou para
Tóquio. A Espanha é uma rival que deve conquistar cada vez mais espaço. Temos
que prestar muita atenção neles já nos Jogos do ano que vem”.

 Supremacia

 O histórico da seleção brasileira de futebol
de cinco é impressionante. Desde 1997, na Copa América do Paraguai, são 197
jogos, com 143 vitórias, 42 empates e apenas 12 derrotas. E Fábio Vasconcelos é
peça fundamental dessa trajetória desde 2003, sendo nove anos como goleiro e
sete como técnico. “Minha vontade era encerrar a carreira como goleiro após os
Jogos do Rio de Janeiro. Mas, em 2012, já vinha trabalhando muito mais como
treinador de futsal convencional aqui em Campina Grande do que como goleiro.
Por isso tomei a decisão. Não anunciei lá em Londres depois da conquista da
medalha de ouro contra a França, mas a ideia já estava na minha cabeça”.
 Ao assumir o cargo de treinador da equipe
nacional, ele procurou respeitar o trabalho das comissões anteriores, mas
implantando sua visão: “Trouxe algumas coisas do futsal. Sempre respeitando o
trabalho feito anteriormente, procurei colocar em prática a minha visão de jogo
com intensidade total. Mesmo tendo atletas de altíssima qualidade técnica, como
Jefinho, Ricardinho e Nonato, a minha ideia é que todos precisam marcar e
jogar. Transição da defesa para o ataque deve ter a participação de todos”.
 Porém, o técnico lembrou, durante a conversa
na live promovida
pela CBDV, que o início não foi fácil: “Em 2013, sofremos muito para ganhar a
Copa América na Argentina. Mas depois, no Mundial de 2014, a coisa já começou a
fluir mais”.

 Treinos

 Segundo Vasconcelos, antes da quarentena, a
equipe tinha uma média de 10 dias de treinos mensais no CT Paralímpico de São
Paulo. Para a ideia de jogo trazer resultados, esse período é focado
especificamente na parte técnica. “Cheguei para a comissão técnica e falei que
a parte física deveria ser feita nos clubes ou nas casas dos atletas. Em São
Paulo, o foco passaria a ser nos trabalhos com bola. Só que, nessa ideia de
pressão e intensidade total, se o atleta não estiver muito bem preparado, ele
não aguenta. Um exemplo claro é o Damião. Aos 44 anos, ele é um exemplo de
dedicação”.
São
mudanças necessárias para encarar um esporte que vem mudando muito. “Antes dos
Jogos de Atenas, em 2004, tivemos apenas três etapas de treino. Claro que o time
era diferenciado tecnicamente, mas hoje fazemos uma fase de treino por mês. E
acredito cada vez mais na importância desse trabalho técnico e físico”.

 Renovação

 Com os Jogos Paralímpicos adiados, o paraibano
pode se focar naquele que ele considera ser o seu maior legado: a renovação da
modalidade. “Participei de três medalhas paralímpicas como goleiro, e o grupo
era praticamente o mesmo. Em 2015, fui fazer a primeira convocação para a
seleção de base e não consegui oito atletas. A seleção principal ganhava tudo e
não tinha espaço para atletas mais novos. Os mais jovens iam para outras
modalidades”, disse.
 Ele começou, então, um trabalho de formiguinha
para garimpar possíveis talentos. Telefonava a atletas e técnicos de clubes
perguntando se havia garotos cegos jogando bola. Foi de região em região
divulgando que o Brasil passaria a contar com uma equipe de base. O fruto é um
grupo sub-23 hoje composto por mais de 20 atletas. A meta, a partir de 2025, é
que essa seleção seja sub-18. “A média de idade da principal é de 27 anos, está
muito próxima da sub-23, então estou buscando gente ainda mais jovem, com 12,
13 anos”, revelou Vasconcelos.
 Mesmo que não esteja mais no comando até lá, a
satisfação pelo trabalho desenvolvido já compensará todo o esforço: “Sei que
vai dar frutos, seja para mim, como treinador, ou para outros que virão em
breve. Com certeza, essa seleção de jovens será o meu maior legado”.
Foto: Daniel Zappe