O impacto pode ser direto nas cidades de Silves e Itapiranga, que poderiam se tornar “cidades-fantasmas” caso a interdição seja implementada.
O Ministério Público Federal (MPF) está intensificando suas ações para garantir a proteção dos povos indígenas isolados no Amazonas. Em uma recente recomendação oficial, o MPF pressionou a Fundação Nacional do Índio (Funai) a intervir em duas áreas críticas, onde há indícios da presença de povos em situação de isolamento. A medida tem como objetivo prevenir ameaças à sobrevivência desses grupos, em grande parte devido à exploração de recursos naturais na região, como gás e petróleo.
A medida, se acatada, terá consequências significativas não apenas para os empreendimentos na região, mas também para as populações locais. O impacto pode ser direto nas cidades de Silves e Itapiranga, que poderiam se tornar “cidades-fantasmas” caso a interdição seja implementada. As rodovias AM-330 e AM-363, que passam por essas cidades, também seriam afetadas, já que a interdição impede o tráfego de veículos nas áreas delimitadas.
Outro efeito colateral seria a interrupção do abastecimento de energia elétrica em Roraima, que depende em grande parte do gás natural extraído da região. A Usina Térmica Jaguatirica II, que gera 70% da energia do estado, utiliza gás extraído da região de Silves. A paralisação da exploração do recurso afetaria diretamente o fornecimento de energia, colocando o estado em risco de ficar sem luz, uma vez que Roraima não está integrado ao sistema elétrico nacional. Além disso, escolas, hospitais e redução na geração de emprego e renda também serão afetados.
O cerco do MPF ocorre no contexto de uma crescente pressão para que o governo federal adote medidas mais eficazes para proteger essas populações vulneráveis, especialmente diante de atividades econômicas que avançam sobre suas terras. A recomendação foi formalizada por três procuradores da República no dia 14 de novembro, no âmbito de dois procedimentos administrativos que investigam a proteção das terras indígenas no estado.
O MPF identificou duas áreas no Amazonas como prioritárias para intervenção: a região do Mamoriá Grande, no município de Lábrea, e a área do igarapé Caribi, localizada nos municípios de Silves e Itapiranga. Nessas regiões, a exploração de recursos naturais, especialmente gás e petróleo, tem gerado grandes investimentos, como no caso do investimento de R$ 6 bilhões na exploração de gás no igarapé Caribi.
Apesar de uma expedição da Funai à área, onde a presença de povos isolados não foi confirmada, o MPF aponta que há evidências substanciais de que esses povos possam estar presentes. A única “prova” apresentada pela Funai sobre a ausência de tais povos na região foi uma fotografia e relatos de uma ONG, além de um artefato atribuído a esses grupos indígenas. No entanto, os procuradores consideram essas evidências insuficientes para justificar a ausência de medidas mais rigorosas para a proteção das áreas.
Em seu ofício, os procuradores Fernando Merloto Soave, Eduardo Jesus Sanches e Daniel Luís Dalberto destacaram a urgência de proteger essas áreas, uma vez que a exploração de recursos pode representar uma grande ameaça à sobrevivência dos povos isolados, especialmente considerando os riscos epidemiológicos e as interferências externas que podem desestruturar seu modo de vida.
O MPF recomendou à Funai que adote, de maneira imediata, uma medida administrativa para interditar as áreas mencionadas por meio da Portaria de Restrição de Uso, prevista no artigo 7º do Decreto nº 1.775/96. Essa portaria é um instrumento legal que permite limitar o ingresso de terceiros nas áreas interditadas, além de vedar atividades econômicas ou comerciais, como a exploração de petróleo, gás e madeira.
Os procuradores do MPF afirmam que a presença de pessoas nas áreas onde vivem os povos isolados constitui uma grave ameaça à sua sobrevivência, especialmente do ponto de vista epidemiológico. O contato com a sociedade exterior pode expô-los a doenças para as quais não têm imunidade, colocando em risco sua existência. Por isso, os procuradores reforçam a importância de aplicar o princípio da precaução, que estabelece a adoção de medidas preventivas diante de riscos iminentes.
O MPF argumenta que a Funai deve exercer seu poder de polícia nas áreas reservadas para proteger os povos indígenas e disciplinar o ingresso de terceiros nessas regiões. Além disso, a recomendação exige que a Funai adote as providências necessárias para garantir a segurança desses povos, que precisam de proteção diante da constante ameaça de exploração econômica em suas terras.
O ofício também destaca que, caso a recomendação não seja atendida, os dirigentes da Funai poderão ser responsabilizados por omissão, o que pode resultar em medidas judiciais contra o órgão. O prazo estipulado para que a Funai informe ao MPF sobre o cumprimento da recomendação é de dez dias. Durante esse período, espera-se que a Funai se pronuncie sobre as ações que serão tomadas para atender à exigência do MPF.
A recomendação do MPF chega em um momento delicado para a Funai, que enfrenta críticas pela sua atuação em relação à proteção dos povos indígenas. Sob a presidência de Joênia Wapichana, primeira mulher indígena a ocupar o cargo, o órgão tem se visto pressionado a adotar medidas mais eficazes para proteger as terras indígenas em todo o Brasil, especialmente em regiões de alto valor econômico.
A decisão de interdição das áreas pode ter um grande impacto político, já que a exploração de recursos naturais, como o gás e o petróleo, é um dos motores econômicos da região amazônica. Empresas envolvidas nesses setores podem contestar a decisão, gerando um conflito entre os interesses econômicos e as necessidades de preservação ambiental e proteção aos povos indígenas.
Porém, para os procuradores do MPF, a prioridade deve ser a proteção da vida e dos direitos dos povos indígenas isolados. Eles destacam que, embora as interdições possam causar impactos econômicos e sociais, esses custos são mínimos em comparação ao risco que esses povos correm caso suas terras continuem sendo invadidas e exploradas sem a devida proteção.