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Biografia do futuro autor de novelas Benedito Ruy Barbosa fala ainda da influência do pai, que o ensinou a chutar com a perna esquerda, e da resistência da mãe a ter um filho jogador

No início de 1961, quando Pelé tinha apenas 20 anos, o jornalista Benedito Ruy Barbosa, futuro autor de novelas consagrado no país, decidiu registrar a história do garoto de 20 anos Edson Arantes do Nascimento, campeão do mundo na Copa de 1958. Após inúmeras entrevistas saiu uma hoje rara e desconhecida biografia, a primeira, do Rei do Futebol: Eu Sou Pelé.

Nas 185 páginas do livro, o rapaz conta, no texto escrito em primeira pessoa com a ajuda de Ruy Barbosa, que, bagunceiro e briguento, Edson era um péssimo aluno, que levou bronca do pai quando fumou escondido, que por muito pouco não foi para o Bangu, antes do Santos, e que seu sonho de criança era ser aviador, mais até do que jogar futebol, até porque sua mãe, Celeste, não queria esse futuro para o filho.

O primeiro contato do jornalista com o futuro Atleta do Século ocorreu quando “Dico”, seu primeiro apelido, ou Pelé, como preferia ser chamado, tinha apenas 15 anos e havia acabado de chegar ao Santos.

“Como você se chama?”, perguntou o repórter, então contratado do jornal Última Hora.

“Pelé”, disse o adolescente.

“Pelé!?”

“Não. Meu nome é Edson Arantes do Nascimento. Pelé é apelido.”

“De onde veio?”

“De Bauru. Sou filho do Dondinho!”

“Que Dondinho?”

“O senhor é jornalista esportivo?”

“Sou.”

“E não conhece o Dondinho, meu pai?”

“Confessei que não conhecia. Pelo menos não me lembrava de nenhum jogador com aquele nome. Naquela tarde, o menino Edson falou mais do pai do que dele mesmo. (…) E falou com tanta paixão e com tanta ternura que percebi que estava diante de um menino diferente. (…) Para ele, naquele momento, Pelé não era assunto, Dondinho era. E ele falou apenas do pai, craque do Bauru Atlético Clube, que não teve a sorte que merecia, pelo futebol que jogava.”

Veja a seguir alguns trechos curiosos da primeira biografia de Pelé:

O arteiro Dico, com 10 anos

O arteiro Dico, com 10 anos

Estadão Conteúdo/Arquivo 01/01/1950

Criança, em Bauru, cidade do interior de São Paulo para a qual a família se mudou acompanhando Dondinho, contratado do BAC (Bauru Atlético Clube), Pelé conta que, além do futebol, tinha uma segunda paixão.

“A bola, já nesse tempo, era minha companheira inseparável. Sentia por ela uma atração tão grande quanto a que eu sentia por tudo o que dissesse respeito à aviação. Naquele tempo eu queria ser aviador e volta e meia fugia de casa para ir ver os aviões e planadores do aeroclube da cidade. Geralmente essas fugidas me valiam puxões de orelha e boas palmadas, mas eu não ligava muito para as consequências. Era só ter uma chance, e lá estava eu, vendo as manobras dos planadores. Quase sempre o Zoco [irmão mais novo] queria me acompanhar nessas fugidas e, como eu não gostava de levá-lo comigo, ela ia ‘linguaretar’ para a minha mãe:

— O Dico foi no campo de aviação, mãe!

Quando eu voltava, não tinha escapatória. Se eu tivesse muita sorte, vinha apenas um sermão daqueles, que geralmente terminava com uma promessa:

— Você vai voltar muito se voltar lá, está ouvindo?”

Um dia, o pai o chamou para uma conversa séria sobre esse desejo do filho.

“Logo depois do jantar, papai me chamou:

— O que você quer ser mesmo quando crescer?

— Aviador.

— E você sabe o que é preciso fazer pra ser aviador?

— Aprender a guiar avião.

Ele achou graça na lógica da minha resposta, mas retrucou:

— Nada disso. Antes de mais nada, é preciso aprender a ler e escrever. É por aí que você vai começar.”

 

 

Fonte: R7

Foto: Divulgação