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Alexandre Morais da Rosa usa o espaço no tribunal para dar destaque à causa da inclusão de pessoas com Transtorno do Espectro Autista

 

Alexandre Morais da Rosa é juiz e autista. O diagnóstico veio apenas aos 47 anos, depois de muitas dúvidas e 23 anos de atuação como desembargador substituto no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC).

Natural de Florianópolis, Alexandre tem 50 anos. Depois que se descobriu uma pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA), ele conta que a principal mudança que viveu foi compreender melhor as características e as dificuldades que se tornaram mais notáveis em sua adolescência, mas o acompanham desde então. “Sempre fui isolado, fui um adolescente estranho. Na época, eu gostava muito de estudar e tinha que me esforçar para tirar notas na média, para que os colegas não me zoassem. Sou de 1973 e ser ‘CDF’, naquele tempo, era sinônimo de sofrer perseguições.”

Na profissão, o diagnóstico também mudou as coisas de lugar. Durante as sessões no tribunal, o juiz utiliza o cordão do autismo. O cordão do girassol, como também é conhecido, é uma espécie de colar que pessoas autistas utilizam para que os que convivem com elas, seja no trabalho, na escola ou em quaisquer espaços de socialização, possam identificar características e aspectos de atenção diferenciada de que necessitam. Seu uso foi uma medida sancionada pela Lei nº 14.624/2023, em agosto de 2023.

Visibilidade

Mesmo que o cordão seja importante para que os colegas de trabalho saibam das necessidades de Alexandre, ele também o usa como uma maneira de dar destaque à causa da inclusão de pessoas com autismo. Para o juiz, esse gesto é uma forma de se posicionar no seu ambiente de trabalho, que é predominantemente ocupado por pessoas neurotípicas, ou seja, que não apresentam transtornos neurológicos. A popularização do cordão é uma das medidas incentivadas pelo mês de conscientização sobre o autismo, comemorado em abril.

“Eu estou na posição de 2º grau no tribunal, então decidi usá-lo como uma forma de dar visibilidade, porque há uma preocupação sobre como vivemos e que espaços devemos ocupar, e esse símbolo faz com que os outros possam ter mais empatia com pessoas autistas”, defende.

Ele relembra que, no passado, o preconceito contra autistas era mais forte e eles eram vistas, até mesmo, como doentes mentais. “Naquela época, não se fazia tantos diagnósticos, então, são várias gerações de autistas que não sabiam o que eram, e, se formos olhar para elas, o número de pessoas no espectro sempre foi maior que o notificado”, diz.

Por isso, ele ressalta a importância da desmistificação do autismo por parte de figuras públicas, como Leticia Sabatella, que revelou recentemente ter recebido seu diagnóstico tardiamente. “Quando falam sobre isso, estão trazendo um assunto que foi um tabu forte para discussão e influenciando outras pessoas se descobrirem autistas e se conhecerem.”

Desafios

Apesar de a sociedade ter avançado na discussão sobre inclusão de pessoas no espectro, Alexandre ainda vê dificuldades para que elas se insiram no mercado de trabalho. Ele cita, por exemplo, o bullying, em forma de piadas jocosas, e a descredibilização de sua capacidade para desempenhar as atividades demandadas, o que o advogado chama de “violência autística”, em referência ao termo violência epistêmica, cunhado pela filósofa inglesa Miranda Fricker.

Além disso, ele também pontua que o processo de diagnóstico é pouco acessível para muitas pessoas: “Meu processo foi longo, porque fiz uma série de testes e tive de ir para especialistas, como psicólogo e psiquiatra, que me custaram financeiramente; e muitas pessoas não têm condições para arcar com isso”.

Homem de cabelo e barba pretas, usando um terno lilás.
Entender para incluir, diz psicólogo Wladimir(foto: Arquivo Pessoal)

 

O professor Wladimir Rodrigues da Fonseca, coordenador do curso de psicologia do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos (Uniceplac), acredita que o maior desafio para as pessoas autistas no mercado de trabalho se deve à falta de conhecimento sobre o transtorno. “Esse deficit de conhecimento é o grande responsável pela perpetuação de estigmas e pela dificuldade em desenvolver tecnologias que realmente possam auxiliar no processo de adaptação das pessoas com TEA. Tal falta de compreensão frequentemente impede o reconhecimento do potencial desses indivíduos”, explica.

Nesse contexto, o psicólogo defende a importância da conscientização da sociedade: “Entender o TEA ajuda a construir ambientes mais inclusivos e empáticos, tanto em contextos sociais quanto profissionais. Com mais conhecimento, as pessoas podem se tornar mais compreensivas e apoiadoras das necessidades individuais de quem está no espectro”.

Falta de estrutura

Assim como Alexandre da Rosa, Lucelmo Lacerda, especialista em educação e consultor do Conselho Nacional de Educação (CNE), recebeu o diagnóstico de autismo tardiamente, aos 36 anos. Especialista na área, ele afirma que mesmo não existindo pesquisas suficientes sobre a inclusão desse grupo no mercado de trabalho, é comum conhecer autistas em situação de desemprego.

Homem branco, de cabelos longos e pretos, usando um terno preto.
Lucelmo critica falta de estrutura nas empresas(foto: Arquivo Pessoal)

 

Ele explica que esse fenômeno ocorre porque empresas não oferecem “condições trabalhistas que criem um ambiente adequado para essas pessoas”. Além disso, a falta de tecnologias assistivas e de adaptação para esses profissionais também é uma grande barreira.

Lucelmo defende que a elaboração de políticas públicas para pessoas com TEA deve considerar dois grupos principais: o competitivo, formado por pessoas com grau de dependência ou necessidade de suporte de leve a moderado, e o não competitivo, para profissionais que apresentam nível severo de dependência. Para esee segundo grupo, ele reforça a urgência de incluí-los por meio de estratégias como “a busca ativa para trabalhos específicos”.

Saiba mais sobre o autismo

Segundo o psicólogo Wladimir Rodrigues da Fonseca, autismo é uma condição caracterizada por variações que se manifestam desde a infância, marcada consistentemente por diferenças nas interações sociais, na fala, na comunicação, em atividades lúdicas e no comportamento. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais Quinta Edição (DSM-5) inclui uma classificação para o TEA com três níveis de suporte necessários. Esses níveis são baseados na quantidade de auxílio que uma pessoa necessita para funcionar de maneira eficaz em vários aspectos da vida, como socialização, comunicação e comportamentos repetitivos ou restritos. As necessidades de suporte podem mudar ao longo do tempo, dependendo de uma variedade de fatores, como desenvolvimento pessoal, mudanças no ambiente e a eficácia das intervenções. Conheça cada um dos níveis:

Nível 1: Suporte Necessário

Características: pessoas com TEA de nível 1 podem ter dificuldades sociais que se manifestam quando as demandas sociais excedem suas capacidades de lidar com elas. Eles podem ter dificuldade em iniciar interações sociais e podem parecer pouco interessadas ou falhas ao responder socialmente aos outros. Em termos de comportamentos restritos e repetitivos, podem ter dificuldade em mudar de uma atividade para outra.

Necessidade de assistência: indivíduos neste nível geralmente precisam de apoio mínimo, mas contínuo, para engajar-se socialmente e para lidar com a flexibilidade nas rotinas e comportamentos. A psicoterapia, o treinamento de habilidades sociais e as adaptações educacionais são exemplos de assistências que podem ser benéficas.

Nível 2: Suporte Substancial

Características: pessoas com TEA de nível 2 apresentam desafios mais notáveis nas interações sociais e têm comportamentos restritivos e repetitivos mais evidentes que podem ser difíceis de redirecionar. Elas podem ter limitações significativas na comunicação verbal e não verbal, o que afeta as interações sociais.

Necessidade de assistência: indivíduos neste nível requerem suporte substancial e intervenções mais intensivas, que podem incluir psicoterapias mais frequentes, suporte educacional especializado e, possivelmente, terapias voltadas ao desenvolvimento de habilidades de comunicação e interação.

Nível 3: Suporte Muito Substancial

Características: pessoas com TEA de nível 3 têm dificuldades severas em comunicar-se verbalmente e não verbalmente. Elas podem mostrar comportamentos repetitivos significativos, restrições nas atividades e interesses, e uma capacidade muito limitada de mudar de foco ou ação.

Necessidade de assistência: esses indivíduos requerem suporte muito substancial, que pode incluir cuidados constantes, supervisão e intervenções intensivas e individualizadas para ajudar no desenvolvimento de habilidades básicas de comunicação, interação social e adaptação a mudanças em rotinas ou ambientes.

*Estagiária sob a supervisão de Priscila Crispi

 

Fonte: Correio Braziliense

Foto: Divulgação