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Uma segunda onda de contágios pode levar à perda dos esforços

 A diretora da Organização Pan-Americana da
Saúde (Opas), Carissa Etienne, alertou hoje (2) que os países devem ser muito
cuidadosos ao começar a flexibilizar as medidas de isolamento. Ela disse que
uma segunda onda de contágios pelo novo coronavírus (covid-19) pode levar à
perda dos esforços feitos até o momento.
 De acordo com a Opas, as Américas já
registraram quase 3 milhões de casos da covid-19, e as curvas de contágios
seguem aumentando em muitas áreas, ou seja, mais pessoas adoecerão amanhã do
que hoje. Apenas na semana passada, foram registrados 732 mil casos novos no
mundo, dos quais mais de 250 mil em países latino-americanos. A região das
Américas contabiliza mais da metade dos novos casos reportados mundialmente.
 “A situação é terrível, mas não
desesperadora. Temos que aplicar as estratégias que vimos comprovadas até
agora. Essa é a única saída”, afirmou Etienne.

 Ações

 A diretora da organização chamou a atenção
para três pontos fundamentais. O primeiro é que os governos devem pensar duas
vezes antes de flexibilizar as medidas de distanciamento social, pois essa
segue sendo a melhor estratégia para conter a propagação do vírus. “Muitos
lugares que viveram durante dois meses as ordens de permanecer em casa agora
pensam abrir. Devemos ser cuidadosos. Meu conselho é que não abram rápido
demais. Há o risco de uma reemergência da covid-19, que poderia apagar todas as
vantagens que conseguimos nos últimos meses. Considerem um enfoque geográfico
para o fechamento e abertura, baseados na transmissão”.
 Ela reforçou que, até o momento, as medidas
mais efetivas são a ampla testagem, o rastreio dos casos e contatos, o
tratamento dos doentes e o isolamento dos pacientes. E que o distanciamento
social desacelera a transmissão de maneira que os serviços de saúde possam não
entrar em colapso.
 O segundo ponto é a vigilância como ferramenta
mais valiosa para orientar as ações de saúde pública. “Mesmo que a
capacidade de testes não seja perfeita, praticamente todos os países da região
têm suficientes dados para rastrear e monitorar a propagação do vírus. Isso é
que deve impulsionar nossa decisão, e ajudaria a dirigir as medidas de apoio
social mais adequadamente, utilizando os dados para adaptar a resposta,
proteger as comunidades vulneráveis e centrar seus esforços onde surjam as
novas infecções”.
 O terceiro ponto é o fortalecimento dos
sistemas de saúde. “Nos últimos meses, os países deveriam ter fortalecido
seus sistemas de infraestruturas sanitárias para essa onda, que sabíamos que
vinha. Especialmente melhorando a capacidades dos hospitais. Muitos lugares
estão esgotados e operando no limite de suas capacidades.”
 Etienne lembrou que o impacto da pandemia na
região foi severo, mas que poderia ter sido pior. “As autoridades
sanitárias implementaram medidas de saúde pública que achatam a curva em suas
comunidades. Mas as Américas são enormes e diversas, e com desafios enraizados
que fazem com que a detenção de um vírus seja complicada. Enfrentamos três
emergências simultâneas: a sanitária, a econômica e a social. E devemos
abordá-las juntas, porque somos uma região de massivas desigualdades. Há muito
mais pessoas que não têm acesso à saúde de qualidade do que as que sim.”
 Ela ressaltou as dificuldades de combate ao
vírus em algumas megacidades, onde muitas pessoas vivem muito próximas umas das
outras e compartilham espaços e transporte público. E que há grupos pobres e
vulneráveis que não têm os meios para permanecer em casa e se proteger.
 “Somos uma região com grupos com muito
risco de contrair a doença e morrer: os indígenas, os migrantes e as pessoas
com outras doenças não transmissíveis. É uma região com sistemas de saúde
pública subfinanciados e frágeis, que enfrentam problemas muito mais sérios que
a covid-19, como a malária, o sarampo, a dengue e muitas outras doenças”,
disse a diretora da Opas.

 Brasil

 Marcos Espinal, diretor do Departamento de
Doenças Transmissíveis da Opas, disse que a situação no Brasil é delicada e que
a organização está preocupada com o aumento de casos e de mortes na última
semana. 
 “As medidas de mitigação devem continuar
sendo implementadas. Não podemos generalizar porque o Brasil é um território
enorme e os estados são diferentes. Mas, se olhamos pesquisas feitas por
universidades como a de Pelotas, elas sugerem uma baixa prevalência em estados
como Florianópolis [Santa Catarina] e uma elevada prevalência na Amazônia, por
exemplo. Devemos levar isso em conta e sugerir que os governadores sigam
implementando medidas”.
 Espinal disse ainda que o Brasil, apesar de
ter melhorado, ainda não tem um número suficiente de testes, realizando apenas
cerca de 4,3 mil por milhão de habitantes, enquanto outros países chegam a
testar 15 mil, 20 mil, 25 mil pessoas por milhão de habitantes.
 “Estamos vendo no Brasil que a ocupação
de leitos de UTI [unidades de terapia intensiva] se encontra em uma situação
preocupante em muitos estados, chegando a 80% em alguns como Ceará, Amapá e
Maranhão. É importante que se tomem medidas para habilitar mais leitos. Temos
cifras enormes no Nordeste e no Norte, mas também em dois grandes estados, São
Paulo e do Rio de Janeiro. É muito difícil afirmar que isso vai retroceder nas
próximas semanas. Elas [as próximas semanas] serão cruciais para o Brasil. Vai
depender de como se implemente o pacote de medidas no país”.

 Indígenas

 Sylvain Aldighieri, gerente de Incidentes da
Opas, defendeu a importância da prevenção e do controle da covid-19 nas
populações indígenas.
 “Estamos muito preocupados com as
tendências na Bacia do Amazonas. É importante fortalecer o sistema de
vigilância nas zonas mais remotas, para manter a atenção caso a caso. A
principal recomendação é assegurar-nos de que existe uma estreita colaboração
com as associações indígenas, vinculando os grupos indígenas ao processo de
decisão, para garantir que se considerem as barreiras culturais e
linguísticas”.
 O gerente recomenda também assegurar o contato
com organizações não governamentais nacionais e internacionais, para
complementar as atividades que fazem os diferentes ministérios de saúde dos
países.
Foto: Tania Rego