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O aumentou foi de 66,2%, a maior taxa da série histórica desde 2010

 A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do
Consumidor (Peic), divulgada hoje (30) pela Confederação Nacional do
Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), mostrou que o total de
famílias com dívidas no Brasil voltou a crescer em março, depois de um recuo em
fevereiro (65,1%), atingindo 66,2%, maior taxa da série histórica iniciada em
janeiro de 2010.
 O recorde havia sido registrado em dezembro do
ano passado (65,2%). “O resultado extrapolou o percentual de
dezembro e registrou o maior nível da série histórica”, disse à Agência Brasil a economista
da CNC, responsável pela pesquisa, Izis Ferreira. Ela avaliou que a pandemia de
coronavírus vai contribuir para elevar o grau de endividamento das famílias nos
próximos meses e, também, a inadimplência.
 A pesquisa foi feita com 18 mil famílias de
todas as capitais do país, incluindo o Distrito Federal, no período de 20
de fevereiro e 5 de março. O aumento do endividamento
vinha atrelado ao avanço do crédito, e isso podia ser observado pelo
aumento no estoque do crédito para pessoas físicas e jurídicas, aumento nas
concessões, redução do custo do crédito, facilitação nas condições. “Isso fez
com que o nível de endividamento chegasse nessa maior proporção da série
histórica”, disse a economista.
 Segundo a coordenadora da pesquisa, as taxas
de juros no cartão de crédito ainda são muito altas, o que representa um custo
elevado para o consumidor. Mas o custo vinha em sentido decrescente nos
últimos meses. “Isso fazia com que as pessoas retomassem o consumo por meio
do crédito.”
 Crédito no cheque especial, crédito
consignado, financiamento de imóveis e de carros são os itens que mais têm
crescido nos últimos meses, apesar de o cartão de crédito ainda aparecer como a
maior proporção do endividamento. “Mas o endividamento pelo cartão de crédito
não está crescendo tanto quanto nos outros tipos de dívidas”, afirmou a economista
da CNC. O financiamento de casa e de veículos apresentaram as maiores taxas de
expansão nos últimos meses.

 Liquidez

 De acordo com a economista,
o endividamento maior vinha sendo apoiado no aumento do mercado de
crédito. O que ocorre é que isso faz com que o espaço das famílias muito
endividadas para ampliar esse crédito é menor neste momento.
 O esforço do Banco Central para aumentar a
liquidez no mercado e oferecer mais crédito esbarra em uma proporção já alta de
pessoas endividadas. Por meio desses dados, a CNC percebeu a necessidade de
ajudar as pessoas que já estão endividadas, seja ampliando os prazos de
pagamento dessas dívidas, seja reduzindo ainda mais o custo, trocando uma
dívida cara por outra mais barata.
 Isso pode envolver uma conscientização do
sistema bancário/financeiro, para que o risco de inadimplência seja assumido,
para que as famílias possam sair dessa armadilha do endividamento alto com
inadimplência também alta”, disse a economista.

 Inadimplência

 A pesquisa da CNC mostra que a inadimplência
também aumentou nos dois níveis. O percentual de famílias com dívidas ou contas
em atraso subiu de 24,1%, em fevereiro, para 25,3% em março. Já o total de
famílias que declararam não ter condições de pagar suas contas ou
dívidas em atraso nos próximos meses e que permaneceriam inadimplentes, passou
de 9,7%, em fevereiro, para 10,2%, em março. Os dois indicadores estão
crescendo proporcionalmente ao número de famílias pesquisadas na mostra.
 Izis avaliou que, com o aumento do
endividamento, é natural que a inadimplência também aumente. Ela destacou,
contudo, que no cenário crítico que o país atravessa, com a pandemia de
coronavírus, a inadimplência provavelmente vai começar a crescer mais
nos próximos meses, menos em função do crescimento do endividamento e mais em
função das dificuldades que essas pessoas vão encontrar para pagar suas contas
e dívidas em dia.
 “A renda vai estar muito restrita e as
expectativas de confiança para o futuro dos consumidores já está sendo abalada.
As famílias vão restringir ao máximo o consumo que não for essencial”.
 A restrição na
rendatambém pode fazer com que as decisões de tomada de crédito de
longo prazo sejam adiadas, por um temor em relação a emprego e renda no futuro.
 “O que vai fazer com que a inadimplência siga
se acirrando é justamente a dificuldade que as famílias vão encontrar,
principalmente aquelas com renda menor, para pagar suas dívidas e contas em
dia, nesse contexto de insegurança em relação à renda e ao emprego”.

 Pandemia

 A pandemia do novo coronavírus levou a CNC a
prever o acirramento da inadimplência no país. “A crise do coronavírus é que
está sendo imperativa para que as pessoas encontrem maior dificuldade
hoje em dia.”
 A pesquisa evidencia aindaque a capacidade de
pagamento pode ser medida pela parcela da renda comprometida com dívidas. Essa
parcela chegou a 30% em março. Isso acaba dificultando o consumo. O índice
significa que um terço da renda das famílias já está comprometida com
dívidas. Para contrair novas dívidas e ampliar o consumo no momento, a pessoa
esbarra na questão da capacidade de pagamento.
 Outro detalhe da pesquisa é que aumentou a
proporção de famílias que estão com mais de 50% da renda comprometidos com
dívidas. Significa que o consumo dessas pessoas está restrito.
 A proporção de famílias com contas em atraso
teve em março o maior nível dos últimos 12 meses, da ordem de 25,3%, depois de
registrar 24,1%, em fevereiro, e 23,8%, em janeiro.
 Do mesmo modo, o percentual das famílias que
dizem não ter condições de pagar dívidas ou contas em atraso e vão
continuar inadimplentes também subiu de 9,6%, em janeiro, para 9,7%, em
fevereiro, e para 10,2%, em março. A proporção das famílias que se declararam
muito endividadas aumentou de 15% em fevereiro para 15,5% em março, além de ter
sido registrada a alta de 2,5% na comparação anual.

 Tendência ascendente

 “Apesar de falar, nos últimos meses, que a
trajetória da inadimplência não vinha se mostrando explosiva, agora já podemos
dizer que há uma tendência ascendente da inadimplência, em função dessa crise
que está restringindo o consumo e vai restringir a renda mais para a frente”,
apontou Izis Ferreira.
 O cartão de crédito continua sendo a dívida
mais frequente, tanto para famílias de renda inferior a dez salários-mínimos,
como para aquelas que ganham acima disso. Em março, esse tipo de dívida
registrou 78,4%, seguido por carnês (16,2%) e por financiamento de veículos
(10,3%).
 A economista da CNC afirmou que, embora ainda
seja o principal tipo de dívida das famílias, o cartão de crédito está perdendo
espaço para outros tipos, como dívidas em carnês, em cheque especial, em
crédito consignado, por exemplo. [
Izis Ferreira disse que a velocidade de
crescimento desses outros tipos de dívida está maior do que a do cartão de
crédito, porque as pessoas vinham trocando uma dívida mais cara por dívidas
mais baratas.]
 
 A mudança das regras para dívidas em cartão de
crédito, promovida recentemente pelo Banco Central, favoreceu também essa troca
de dívida. Apesar disso, o cartão de crédito segue representando o principal
tipo de endividamento das famílias, com 78,4% em março, mas as taxas de
crescimento dos outros tipos de dívida têm se mostrado maiores, indicou a
economista da CNC.
Foto:  Marcello
Casal Jr.