TCE
Há fortes evidências
de que o Sars-CoV-2 é transmitido por micropartículas suspensas
principalmente em locais fechados, alertam, em carta aberta, 239
cientistas. Texto também apela a autoridades, incluindo a OMS, que
adotem medidas para evitar esse tipo de propagação
 É hora de
abordar a transmissão aérea da covid-19. O apelo intitula uma carta escrita por
239 cientistas e endereçada “à comunidade médica e aos órgãos nacionais e
internacionais” — incluindo a Organização Mundial da Saúde (OMS), citada
nominalmente no texto — para que “reconheçam o potencial de propagação” do novo
coronavírus pelo ar. O texto informa que há evidências “suficientes” de que
partículas do Sars-CoV-2 suspensas no ar podem infectar pessoas, principalmente
em ambiente fechado. Detalhes do trabalho serão divulgados nos próximos dias,
na Clinical Infectious Diseases, publicação da Sociedade Americana de Doenças
Infecciosas. Uma versão, porém, identificada como “manuscrito aceito”, está
publicada no site da revista.
 Nela, os
autores alertam que existe um potencial significativo de infecção pelo novo
coronavírus por meio de gotículas respiratórias microscópicas (micropartículas)
a distâncias superiores ao distanciamento social recomendado. “Resultados de
estudos conduzidos por signatários e outros cientistas demonstraram, além de
qualquer dúvida razoável, que os vírus são liberados durante a expiração, a
fala e a tosse em micropartículas pequenas o suficiente para permanecer no ar e
representar um risco de exposição a distâncias superiores a um e dois metros
entre indivíduos”, indica o texto.
 Os autores também enfatizam a ocorrência de
constatações semelhantes em resultados de pesquisas com vírus parecidos com o
Sars-CoV-2. No caso do Sars-CoV-1, responsável pelo surto da síndrome
respiratória aguda grave (Sars) na China, em 2003, estudos retrospectivos
demonstraram que a transmissão aérea é “o mecanismo mais provável” para
explicar o padrão espacial de infecções dos indivíduos. “O coronavírus da
síndrome respiratória do Oriente Médio (Mers) e o da gripe mostram que é viável
que esses vírus sejam exalados por pessoas infectadas e/ou detectados em
ambientes internos”, escrevem.
 Diante desses resultados, os signatários da
carta aberta avaliam que “há todos os motivos para esperar que o Sars-CoV-2 se
comporte da mesma forma” e para considerar que “a transmissão via
micropartículas no ar é uma via importante”. Dessa forma, defendem que governos
e autoridades ampliem a lista de medidas preventivas recomendadas. Atualmente,
as orientações concentram-se na higienização das mãos, no isolamento e em
cuidados com relação a gotículas emitidas por espirro, fala ou tosse. “Lavagem
das mãos e distanciamento social são adequados, mas, a nosso ver, insuficientes
para fornecer proteção contra micropartículas de doenças respiratórias lançadas
ao ar por pessoas infectadas”, enfatizam os autores.
 Segundo os cientistas, a maioria das
organizações de saúde pública, incluindo a OMS, acredita que a transmissão pelo
Sars-CoV-2 se dá por gotículas respiratórias maiores. O único caso por
micropartículas considerado é o de procedimentos realizados em unidades de
saúde e geradores de aerossóis, como a intubação e a ressuscitação
cardiopulmonar de pacientes. Os autores, porém, acreditam que há evidências
“mais do que suficientes” para que as autoridades optem pela “precaução”. “Para
controlar a pandemia, enquanto se aguarda a disponibilidade de uma vacina,
todas as vias de transmissão devem ser interrompidas”, justificam.

 “Risco alto”

 O grupo enumera uma lista de medidas simples
que pode evitar a transmissão do coronavírus pelo ar (veja quadro) e alerta
que, no momento de flexibilização das restrições sociais, essa forma de
disseminação pode ter “consequências significativas”. “As pessoas podem pensar
que estão totalmente protegidas aderindo às recomendações, mas, de fato, são
necessárias intervenções aéreas adicionais para reduzir ainda mais o risco de
infecção. 
 Esse assunto é de grande importância agora, quando os países estão
reabrindo após bloqueios, levando as pessoas de volta a locais de trabalho e os
alunos de volta às escolas, faculdades e universidades. Nós esperamos que nossa
declaração aumente a consciência de que a transmissão aérea da covid-19 é um
risco real”, enfatizam.
 O texto é assinado por cientistas de 32
países, sob a liderança de Lidia Morawska, do Laboratório Internacional de
Qualidade do Ar e Saúde da Universidade de Tecnologia de Queensland, na
Austrália; e Donald K. Milton, do Instituto de Saúde Ambiental Aplicada da
Escola de Saúde Pública da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos. Em
nota, a OMS informa que está “revisando o conteúdo” da carta aberta.

» O
que fazer

 » Na carta aberta, o grupo de cientistas
enumera medidas que devem ser adotadas para mitigar o risco de transmissão
aérea do Sars-CoV-2
 » Fornecer ventilação suficiente e eficaz —
com ar limpo e não recirculante — principalmente em edifícios públicos,
ambientes de trabalho, escolas, hospitais e lares de idosos.
 » Adotar mecanismos de controle de infecção
aérea em ambientes fechados, com o uso de sistemas de exaustão, filtragem de ar
de alta eficiência e luzes ultravioletas germicidas.
 » Evitar a superlotação principalmente em
transportes e edifícios públicos.
 » Manter as janelas abertas, o que aumenta
drasticamente as taxas de fluxo de ar, quando não for possível a adoção de uma
ventilação mecânica.
Foto: François Giullot