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 Nas mais de 100 notícias falsas desmentidas
pelo Ministério da Saúde em um ano de combate a fake news e boatos que circulam na internet, as
vacinas se destacam como um dos principais assuntos. O ataque à credibilidade
da imunização fornecida pelo serviço público preocupa especialistas e será o
principal tema discutido na Jornada Nacional de Imunização, entre os dias 4 e 7
de setembro, em Fortaleza, no Ceará. 
 Em um balanço divulgado no último dia 27, o Ministério da Saúde
revelou que respondeu 11,5 mil dúvidas recebidas no Whatsapp (61) 99289-4640, número criado
exclusivamente para verificar se informações que circulam nas redes sociais são
verdadeiras. Entre vídeos, textos e imagens, os conteúdos incluem relatos sem
provas, pesquisas científicas derrubadas há décadas e argumentos sem
fundamentação sobre falsos efeitos colaterais das vacinas. Uma das mensagens
que viralizou no Whatsapp
chega a afirmar que a vacina para gripe causa “buraco no braço” e
outra retoma a já amplamente desmentida relação entre vacinas e autismo.
 A vice-presidente da Sociedade Brasileira de
Imunizações, Isabela Balalai, conta que a jornada receberá especialistas
brasileiros, representantes de outros países e da Organização Pan-Americana da
Saúde (Opas). A médica aponta a facilidade de disseminação de informações e a
descrença da população nas instituições como o cenário que estimula o
agravamento do problema.
 “É preciso que a gente esteja atento. A
gente precisa entender que o trote virou uma coisa fácil. Antigamente, você
pegava o telefone, fazia uma brincadeira, dava um trote na pessoa que estava
atendendo, e isso acabava ali. Agora, isso se espalha com uma facilidade
enorme”, diz a médica. “O problema hoje não é o antivacinismo. O
antivacinismo é muito pequeno ainda na América Latina e no Brasil. A gente tem,
sim, boatos e fake news, mas isso é em todas as áreas”.
 Epidemiologista da Fundação Getúlio Vargas,
Claudio Struchiner acredita que a volta da incidência de doenças como o sarampo
pode estar relacionada ao impacto de informações falsas que circulam nas redes
sociais sobre vacinas.
 “Quando se pergunta porque essas
coberturas vacinais não conseguem atingir os níveis que eram atingidos no
passado, começam a surgir uma série de hipóteses, e, entre elas, a difusão de
notícias falsas de várias naturezas”, diz ele, que lembra que o atual
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chegou a ser, no passado, um dos
que disseminou informações desmentidas de que múltiplas aplicações de vacinas
poderiam estar relacionadas a casos de autismo. 
 Depois de eleito, Trump não voltou a fazer
essas afirmações, mas a informação continua a se espalhar e foi uma das que o
Ministério da Saúde desmentiu ao longo do último ano.

 Boato ou Fake News?

 As mensagens com informações falsas sobre
vacinas que circulam nas redes sociais têm vários formatos. Professor e
pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica
em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz), Igor Sacramento explica que
é importante separar os boatos das fake news propriamente ditas, que são textos
que simulam as técnicas jornalísticas para apresentar informações falsas com
aparência de credibilidade e enganar os leitores. Já os boatos costumam ser
relatos anônimos, que circulam sem assinatura e contam supostas experiências
pessoais de formas enviesadas, levantando suspeitas e conclusões sem
fundamento. 
 Quando as pessoas recebem essas mensagens
enviadas por amigos, familiares ou outros conhecidos próximos, elas ganham mais
credibilidade. “Tem uma questão que é da intimidade. A confiança no
contexto contemporâneo tem muito a ver com intimidade. Se eu recebo uma
informação de Whatsapp
de um amigo, de um parente, isso tem um valor maior do que a informação
científica, do que o site do Ministério da Saúde ou da Fiocruz”, diz o
pesquisador. Ele aponta que uma estratégia eficaz para dar credibilidade à
imunização já utilizada no Brasil foi mostrar autoridades se vacinando, como
foi feito no contexto de combate aos boatos contra a vacina de gripe.
“Depois disso, a gente percebeu um aumento muito grande nas taxas de
vacinação. É a questão da experiência. Não adianta o ministro falar sobre
vacina. Teve que ir lá, pegar o braço dele, e ele se vacinar em rede
nacional”.  
 Notícias velhas como as relacionadas à
pesquisa de 1998, que ligava vacinas ao autismo, são outra forma de induzir a
enganos, já que quem as lê desconhece que a pesquisa escrita sobre o tema foi
contestada, derrubada e removida da revista científica que as publicou.
 “Em alguns casos, a notícia não é
totalmente fake, mas
tem problemas de apuração e em como a matéria foi feita”, diz o
pesquisador. Ele diz que concorda que há uma crise de credibilidade de
instituições como o Estado, a ciência e o jornalismo, que cria o cenário ideal
para a difusão desses conteúdos falsos.
 Além da falta de informação e da desconfiança,
Igor Sacramento afirma que há um movimento organizado antivacinas, que no
Brasil assume características próprias. Enquanto em países europeus militantes
antivacinas estão mais munidos de críticas à indústria farmacêutica e à
mercantilização da saúde, descreve ele, no Brasil há um entrelaçamento dessas
ideias com uma revolta contra o Estado e a corrupção, além de elementos
religiosos.
 “Na minha pesquisa, em centros de saúde
no Rio de Janeiro, era muito comum pessoas me dizerem que pastores diziam para
não se vacinar, para acreditar em Deus e orar. Isso me preocupou muito”,
conta Igor, que defende que é preciso ouvir esses relatos sem preconceito,
inclusive para encontrar formas de realizar campanhas de vacinação com líderes
evangélicos. “Esses pastores precisam se tornar líderes de opinião para o
SUS, e não contra o SUS. Líderes carismáticos conseguem mobilizar massas. É
preciso criar estratégias de comunicação articuladas com esses locais também, e
não dizer que eles são ignorantes. Esse é o maior erro”. 
 Como os locais de circulação das notícias
falsas são principalmente as redes sociais, o pesquisador defende que esses
espaços sejam ocupados por informações qualificadas e corretas, produzidas de
forma que possam viralizar como as fake news. “É fundamental ter armas pra
isso, ter investimento em pessoal e tecnologia para poder criar conteúdo. É
fundamental que a gente aprenda a fazer algo viralizar”, alerta ele. 
 O pesquisador pondera que é preciso considerar
que apesar do acesso ao Whatsapp, muitos brasileiros ainda estão limitados por
pacotes de internet e celulares com configurações restritas. “É muito
comum que as pessoas compartilhem conteúdo sem poder abrir, porque não têm
crédito suficiente”.
Fonte: Agência
Brasil
Foto: Marcello
Casal Jr.