TCE
Com o governo
Bolsonaro aliado ideologicamente ao atual presidente dos Estados Unidos,
país fica sob risco de isolamento caso o republicano perca o pleito de
novembro para o democrata Joe Biden
 Enquanto a
imagem do Brasil se deteriora diante do aumento acelerado do desmatamento na
Amazônia, o país corre o risco de ficar ainda mais isolado com o avanço do
democrata Joe Biden nas pesquisas para a corrida presidencial dos Estados
Unidos contra o republicano Donald Trump, que busca a reeleição.
 Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio, uma vitória de
Biden exigirá mudanças na condução da atual política externa que, aliás, ainda
não tem uma estratégia clara. Outro ponto que forçará alterações do governo
Bolsonaro é na questão ambiental.
 preservação entrou na pauta das prioridades de
governos europeus e da sociedade internacional, e o Brasil já corre risco de
retaliação na conclusão do acordo de livre comércio entre Mercosul e União
Europeia. Maior conscientização da necessidade de produtos que não agridem o
meio ambiente está mudando os padrões de consumo e de investidores pelo mundo.
“As certificações socioambientais das empresas podem ter impacto maior do que
retaliações entre governos. Entes privados e consumidores internacionais geram
uma espécie de sanção branca que poderá fazer com que os produtos brasileiros
não acessem determinados mercados estratégicos”, alerta o cientista político
Leandro Consentino, professor do Insper.

 Fundos de investimentos e empresas já se mobilizaram e exigiram uma atitude mais
responsável do governo brasileiro 
no campo socioambiental.
Em carta aberta à sociedade, ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco
Central defenderam uma agenda ambiental e providências para zerar o
desmatamento. O vice-presidente Hamilton Mourão vem conversando com todos, e o
governo publicou um decreto proibindo queimadas por 120 dias na quinta-feira.

 Mas o sinal de alerta está ligado.
Enquanto Trump abandonou o Acordo de Paris, que traça meta de redução das
emissões de carbono, ameaça deixar a Organização Mundial da Saúde (OMS) e tenta
maquiar os números da pandemia de covid-19, Biden sinaliza o contrário e ganha
força na campanha em estados-chaves, lembram os analistas.

 Semana passada, o democrata anunciou um
plano de investimentos ambicioso de US$ 2 trilhões em quatro anos, com
propostas de combate às mudanças climáticas, que incluem ampliar o uso de
energia limpa nos setores de transporte, de eletricidade e de construção civil.
Em pesquisa recente divulgada por NBC News e The Wall Street Journal, Biden
está com 51% das intenções de voto, enquanto Trump, 40%.

 Para o cientista político norte-americano
David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), está
praticamente certa a vitória do democrata, porque a rejeição ao republicano
cresce enquanto ele conduz mal o enfrentamento da pandemia. “Bolsonaro e
integrantes do governo estão preocupados com o avanço de Biden e já estudam o
que fazer. E, caso o democrata vença, o presidente vai ter de trocar os
ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Ernesto Araújo (Relações
Exteriores)”, destaca.
 Christopher Garman, diretor para as Américas
do Eurasia Group, é mais cauteloso em apostar em uma vitória de Biden. “O
sistema eleitoral dos EUA é bastante complexo e ainda não dá para cravar a
derrota de Trump, quando ele ainda tem 40% das pretensões de voto”, pondera o
cientista político norte-americano. Contudo, ele reconhece que o Brasil já está
pagando o custo reputacional por negligenciar as questões sustentáveis. “A
pauta ambiental está ganhando corpo na Europa devido às pressões da opinião pública
e, com Biden mais comprometido com essa agenda, a tendência é de o Brasil ficar
na defensiva daqui para a frente”, avalia.
 “O Brasil já está isolado do mundo nesse
movimento crescente de preocupação ambiental, porque esse tema passou a pesar
nas avaliações das empresas, mexe com o preço das ações, e empresas europeias e
norte-americanas já estão fazendo”, frisa a economista e especialista em
relações internacionais Lia Valls, pesquisadora do Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Ela destaca que, após as
críticas, o governo tenta sinalizar mudanças, mas, ainda, não há garantias.
“Meio ambiente é um fator que está pesando na competitividade das empresas, e
acionistas estão mais preocupados com a questão da responsabilidade
socioambiental. É um ativo importante, porque as mudanças climáticas mexem com
o ecossistema mundial, e o peso disso está muito claro. Não à toa, está havendo
reações de investidores, empresários e ex-ministros em relação ao aumento das
queimadas no país.”
 Na opinião do ex-embaixador e ex-ministro da
Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricupero, o cenário de vitória de Biden
“parece bem realista, até provável”, mas, tudo pode acontecer nesses quatro
meses. Ele foi um dos 17 ex-ministros que assinaram a carta aberta à sociedade
defendendo uma agenda mais responsável do ponto de vista socioambiental.
 “O problema não é o Brasil ficar isolado, mas
o governo Bolsonaro. Isso se dá porque, em vez de manter a linha de uma política
externa que reflete os interesses nacionais permanentes do país, o atual
governo abraçou um tipo de diplomacia na qual o critério definidor é a
afinidade ideológica entre governos, não os interesses permanentes dos países”,
destaca Ricupero. Segundo ele, a dificuldade de Bolsonaro será maior com o
Partido Democrata caso Biden vença.
 O ex-ministro recorda a carta recente do
Congresso opondo-se a qualquer acordo comercial com o Brasil. “Mais
recentemente, uma deputada propôs emenda à lei sobre ajuda externa, proibindo,
especificamente, qualquer cooperação militar com nosso país. Como se vê, antes
mesmo de uma eventual vitória democrata, os problemas concretos já começaram.
Não se trata, portanto, de uma hipótese futura, mas de uma realidade presente”,
afirma Ricupero.

 Torcida

 Na
quinta-feira, em transmissão nas redes sociais, Bolsonaro disse que torce pela
reeleição de Trump e disse que, em caso de derrota do republicano, tentará
aprofundar as relações comerciais com os americanos.
 De acordo com o ex-embaixador do Brasil em
Washington Rubens Barbosa, é importante esse tipo de sinalização, porque a
diplomacia institucional entre os governos deve prevalecer acima de
preferências ideológicas. “A relação pessoal não tem nada a ver com a as
relações institucionais entre dois países. Os EUA tomaram uma série de medidas
restritivas em relação ao Brasil, apesar do bom relacionamento entre Trump e
Bolsonaro”, ressalta.
 Barbosa lembra que, apesar de os EUA serem um
dos maiores parceiros comerciais brasileiros, o Brasil não está entre as
prioridades de Washington, porque “não tem representação econômica expressiva”.
 
 Vale lembrar que Biden tem histórico de ser um
bom apaziguador com o Brasil. Durante a crise de espionagem da ex-presidente
Dilma Rousseff, em 2013, o então vice de Barack Obama foi escalado para
resolver o problema e aparar as arestas entre os dois países.
Foto: Jim Watson