TCE
 Aconteceu na terça-feira, dia 9 de junho.
Tiago, 14, o caçula de Michael e Bianca Costa, dormiu na rede onde gostava de
ficar, no primeiro piso da casa de dois andares no bairro do Educandos, na Zona
Sul de Manaus. É onde vive sua tia, o marido dela e um cachorro, o labrador
Klaus, de três anos. Como é característico da raça, o animal sempre fora dócil
e brincalhão. Tiago adorava brincar e passear com ele. Mas nesse dia as coisas
foram diferentes.
Depois de passar
a noite na rede, às 8h da manhã Tiago acordou. Sonolento, foi pondo o corpo
para fora da rede, mas não suspeitava que o cão estava logo abaixo dele,
dormindo. Num gesto involuntário, acabou pisando no animal.
“Atordoado”, como ele descreve, de sono e de susto, o jovem caiu no
chão e ficou ainda mais vulnerável ao ataque do cachorro, que agiu por
instinto.
 A mordida pegou em cheio a parte direita da
boca, lacerando ambos os lábios – superior e inferior. No ataque, o cachorro
chegou a arrancar um pedaço dos lábios do garoto.  “Foi horrível. Eu fiquei com muito medo.
Achei que ia morrer”, lembra o jovem, que foi levado às pressas para o Serviço
de Pronto Atendimento da Colônia Oliveira Machado, próximo dali. Mas não pode
permanecer muito tempo. A unidade estava focada no atendimento a pacientes de
Covid19 e ele poderia ser contaminado.
 Transferido para o Hospital da Criança da Zona
Leste, o Joãozinho, ele finalmente recebeu o primeiro atendimento. Foram 38
pontos de sutura e horas de tensão e espera. A cirurgia para reposicionar
parcialmente os tecidos da boca durou quatro horas. Mas a luta tinha apenas
começado.
 “Depois da cirurgia, a doutora veio e me falou
que ele tinha perdido sensibilidade nos lábios e que ia precisar de cirurgia
plástica, ou poderia ficar com sequelas no rosto e no olho direito, porque foi
puxado o tecido do rosto. Eu fiquei desesperada”, disse a mãe, que, ao lado do
marido, teve pouco tempo para processar tudo o que estava acontecendo. “Eu
achei que meu filho ia ficar com o sorriso torto, que nunca mais ia querer sair
na rua. Ele só tem 14 anos”, diz ela.
  A
luta
 Tiago é um bom filho, vizinho prestativo e,
assim como o seu pai, um reconhecido 
“pé-de-valsa”: ele dança na quadrilha fundada por Michael, a “Funk na
Roça”, e já ganhou até concurso de dança entre os brincantes do grupo. Filho
carinhoso,  é o xodó da casa e querido
também na comunidade, que sentiu junto com a família o baque do incidente.
 Michael e a esposa iniciaram uma verdadeira
saga em busca de ajuda, já que uma segunda cirurgia, que evitaria sequelas mais
graves, deveria ser feita em um prazo de dez dias, mas àquela altura, em função
da pandemia, os médicos lhe disseram que os hospitais públicos não conseguiriam
realizá-la.
 Foi então que o casal decidiu lançar mão das
conexões que a família tem no bairro e na cidade. “Eu publiquei num grupo de
amigos de infância no Whatsapp, fiz um post no Facebook, que teve mais de 40
mil compartilhamentos. Realizamos uma feijoada e até uma live na igreja. Aí
começaram a chegar doações de amigos e até de pessoas que eu nem conhecia”,
contou Michael.
 Em busca de um cirurgião particular, a família
chegou a ouvir algumas propostas, mas não tinha como levantar, em tão pouco
tempo, o dinheiro exigido para a operação: algo em torno de 18 mil reais. Houve
também quem tentasse se aproveitar da situação. “Teve gente que veio aqui
dizendo tal político ia ajudar, se eu fechasse com ele. Eu recusei. Disse que eu
ia conseguir. Se fosse um cara que honrasse o poder que tem, nem mandava dizer
isso pra mim”, disse ele.
 A família foi indicada por um amigo ao
cirurgião dentista Mike Ezequias, que há cerca de 7 anos abre seu consultório
no bairro do Coroado para pacientes que não teriam condições de custear um
tratamento ou cirurgia.
 Com tudo acertado, Tiago foi então levado ao
consultório, onde realizou uma outra cirurgia para reposicionar melhor os
tecidos da face, dando início de imediato a diversas etapas simultâneas de
tratamento.
 “O cuidado era com a profundidade, e se tinha
acertado algum nervo sensitivo ou motor, já que ele poderia ficar com problemas
de fala, com dificuldade de movimentar a boca ou com parestesia (dormência
permanente)”, explicou dr. Mike.
 Em cerca de um mês de sessões de laser,
pomadas, antibióticos e fisioterapia para conseguir movimentar e sentir a
própria boca, o sorriso de Tiago voltou. Quem o vê, não faz ideia da gravidade
do que ocorreu há pouco mais de quatro semanas. “Deus mandou o melhor médico do
mundo pra mim”, diz Tiago.
 O pai, Michael, também agradece. “Sou
eternamente grato ao doutor Mike. Ele fez jus ao juramento que ele fez como
profissional da saúde. Tenho certeza que é um homem de bom coração. Só pessoas
de bem fazem o que ele fez”, diz ele, que foi dispensado de qualquer pagamento
e usou o dinheiro doado – algo em torno de 4 mil reais – para comprar remédios
e dar prosseguimento ao tratamento em casa.
 Razão
pra ser solidário
 O que leva uma pessoa a ajudar alguém que nunca
viu na vida? A essa pergunta, o cirurgião dentista Mike Ezequias, 45, poderia
responder apenas contando a sua história. Uma história que prova o poder
transformador da solidariedade e da gratidão em nossas vidas.
 Nascido em São Luís, no Maranhão, Mike cresceu
em Boa Vista-RR. Chegou a Manaus aos 16 anos, no início da década de 90, em
busca de melhores oportunidades de vida e estudo. Acabou desembarcando no
bairro do Coroado, Zona Leste de Manaus.
 Em busca de um trabalho, conseguiu serviço na
Paróquia do Divino Espírito Santo: quebrar uma enorme caixa d’água de 4m x 4m.
“Passei o dia todo marretando para ganhar dez reais”, lembra ele.
 Foi lá que Mike conheceu um funcionário da
paróquia, seu Hernando, que simpatizou com o rapaz trabalhador. “Ele ouviu
minha história, e me levou pra casa dele”, diz Mike, que passou a morar na casa
de Hernaldo, se tornando muito próximo da família.
 Com o suporte, moradia e afeto, ele teve
condições estudar e trabalhar pelo que queria. “Formei na primeira turma de
técnicos de prótese em Manaus, em 97. Mas já sabia fazer tudo aquilo”, diz ele,
que aprendeu a ofício com o pai desde a infância.
 Hoje, cirurgião dentista com mestrado e
especializações nas áreas de cirurgia bucomaxilofacial e harmonização
orofacial, ele fala da importância do gesto para a formação de uma sua
personalidade altruísta.
 “Se alguém teve a sensibilidade de olhar pra
mim: um adolescente que morava na rua, colocar no seio da sua família, o mínimo
que posso fazer para retribuir é ajudar o meu próximo. Isso me norteou pra me
formar. A solidariedade de terceiros desconhecidos no passado permitiu que eu
chegasse onde eu cheguei”, diz ele, que também realiza trabalho voluntário com
crianças especiais na Associação Lar de Vitórias, no Japiim. “O que me move é
ver as pessoas felizes”, diz ele.
Fonte e Foto: Divulgação