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Mesmo um tanto rasa, série da Netflix diverte com anedotas curiosas

 Já é chavão comentar que a indústria de games
movimenta mais dinheiro que o cinema e a música juntos. Ou defender que
videogames são, sim, uma forma de arte. Mas você já parou para pensar que essa
mídia tão nova, com pouco mais de 50 anos, tenha histórias fascinantes de
bastidores? Nos últimos anos, vimos muitas delas se tornarem livros de sucesso,
como  “Guerra dos Consoles”, “Sangue, suor e pixels” e
“Masters of Doom”.
 Mas agora, parece que o mercado televisivo e
de cinema também está interessado nessas histórias. Não, eu não estou falando
de trabalhos de ficção baseados em games, que há alguns anos já lotam as salas
de cinema – vide o sucesso recente de Sonic – O Filme. Eu me refiro a produções
que discutam os altos e baixos no processo de criação de alguns dos games mais
famosos de todos os tempos. E é exatamente essa a proposta por trás de
“High Score”, série documental da Netflix, dividida em seis
episódios, que estreou na semana passada. Por aqui, a série ganhou o estranho
nome de GDLK, uma abreviação de “godlike”, ou “como um
deus” na tradução literal em português, expressão usada para elogiar
grandes jogadas (confesso que eu mesmo tive que pesquisar para entender o
significado dessa sigla).
 A série expõe os primórdios dos videogames,
desde Spacewar! (1962), considerado o primeiro videogame, até Doom (1993). Cada
episódio traz uma temática diferente, de forma que não é sequer necessário
assistir aos episódios na ordem, ainda que seja recomendado para quem não tem
familiaridade com o que aconteceu no universo dos games até o início dos anos
1990. Todo o conteúdo é apoiado por uma narração divertida e animações bem
coloridas. Assistir à série assim torna-se uma experiência bem prazerosa, em
que os minutos parecem passar tão rápido que percebermos.
 Apesar disso, o documentário não se aprofunda
em nenhuma questão, e deixa de lado vários momentos importantes da história dos
games. Se por um lado esse estilo pode tornar a série acessível até mesmo a
quem não gosta muito de videogames, por outro tende a  complicar a 
compreensão do assunto para os não iniciados. E não me surpreenderia se muitos
destes esquecessem em pouco tempo o conteúdo tratado ali.
 O documentário traz entrevistas com figuras
importantes como Toru Iwatani, criador de Pac-Man, e Nolan Bushnell, fundador
da Atari, mas foca principalmente em nomes com menor repercussão na indústria.
Apesar de suas grandes contribuições em alguns dos jogos mais importantes da
história, esses criadores não estavam sozinhos. Não dá para falar de Sonic sem
citar Yuji Naka, ou Final Fantasy sem Hironobu Sakaguchi e Nobuo Uematsu. A
falta de entrevistas dessas figuras da indústria pode explicar as escolhas
feitas por parte dos roteiristas da série. Ainda assim, acredito que um bom
trabalho de pesquisa e edição poderia solucionar isso. Algo semelhante ao que
foi feito no episódio com os bastidores da produção do game Star Fox, que cita
a importância de Shigeru Miyamoto no processo de desenvolvimento do jogo, ainda
que não conte com uma entrevista do famoso designer japonês.
 Acredito que a série também perca o foco ao
relembrar antigos vencedores de campeonatos de e-sport nos anos 90. Embora os
primórdios do esporte eletrônico já rendessem um documentário bastante
interessante, “High Score” opta por narrar apenas a experiência
pessoal desses campeões que, na época, eram crianças ou adolescentes, sem
entrar em detalhes sobre as competições em si ou sequer entrevistar outros
interlocutores relevantes. Nem mesmo os pais, ou outros parentes próximos,
foram ouvidos. São no máximo relatos curiosos, sem muita relevância no contexto
geral dos games ou mesmo do e-sport.
 A razão por trás dessa abordagem rasa talvez
esteja no formato adotado pela Great Big Story, uma empresa de mídia
subsidiária do canal de tevê CNN, responsável pela série. O grupo surgiu em
2015 produzindo mini-documentários, de menos de dez minutos, geralmente focados
em apenas um entrevistado cada. Episódios muito bem produzidos e publicados em
mídias sociais como Facebook e YouTube. Alguns dos games expostos em GDLK,
inclusive, já foram tema de vídeos do grupo, como E.T. e Street Fighter II,
embora a série da Netflix conte com material original, com abordagens
diferentes para estes jogos. Cada episódio de GDLK tem, em média, 42 minutos,
nos quais reúne três histórias conectadas de uma maneira um tanto forçada em
alguns casos, o que dá a impressão que os roteiristas apenas amarraram
entrevistas pré-produzidas independentemente.
 Por enquanto, não há uma segunda temporada
confirmada. Portanto, se você gostou da série, vale dar uma conferida no canal
oficial do Great Big Story no YouTube, em especial a série 8Bit Legacy,
indicada ao Emmy em 2018. Destaque também para o vídeo sobre Charles Martinet,
famoso dublador do personagem Mario e que, inclusive, narra a série da Netflix.
Outros canais no YouTube também têm investido em conteúdo documental de alta
qualidade, como o NoClip, Gaming Historian e o People Make Games. Nenhum dos
conteúdos citados neste parágrafo, porém, conta com opções de legendas em
português.
Foto: Divulgação