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Uma das mais conhecidas ativistas sauditas pelos direitos das mulheres foi condenada a cinco anos e oito meses de prisão nesta segunda-feira por um tribunal especializado em casos de terrorismo. Loujain al-Hathloul, de 31 anos, foi considerada culpada de “incitar a mudança no sistema de governo, prejudicando-o e buscando atender a interesses de nações estrangeiras”, segundo o jornal on-line saudita Sabq.

Al-Hathloul foi presa em março de 2018 nos Emirados Árabes Unidos, onde estudava, e levada a força para Riad, em um caso que atraiu atenção mundial. Especialistas em direitos humanos da ONU classificaram as acusações como “espúrias” e, junto com grupos de direitos humanos e parlamentares nos Estados Unidos e na Europa, pediram a libertação da ativista.

Grupos de defesa dos direitos humanos e sua família dizem al-Hathloul foi submetida a tortura, com choques elétricos, afogamento, açoites e violência sexual. As autoridades sauditas negaram as acusações. A família dela já afirmou que a ativista recebeu uma proposta para ser libertada da prisão em troca de um depoimento em vídeo no qual negasse ter sofrido tortura sob custódia, o que foi rejeitado.

O caso da ativista pode se tornar mais um ponto de tensão entre o governo do presidente eleito dos EUA, Joe Biden, que disse que irá tratar a Arábia Saudita como um “pária” nas questões de direitos humanos, após o governante de fato do reino, o príncipe herdeiro Mohammad bin Salman, ter tido uma relação próxima com o governo de Donald Trump e seu genro, Jared.

Al-Hathloul ficou conhecida em 2013, quando começou a fazer campanha publicamente pelo direito das mulheres de dirigir na Arábia Saudita. Em dezembro do ano seguinte ela foi presa enquanto dirigia para os Emirados Árabes Unidos. Ela passou 73 dias na prisão por reivindicar o direito das mulheres de dirigir.

Em 2016, ela foi uma das signatárias de uma petição ao rei Salman bin Abdulaziz al-Saud pedindo o fim do sistema de tutela masculina pelo qual as mulheres sauditas têm que obter a permissão dos pais ou maridos para trabalhar, viajar para o exterior ou casar. Em 2018, ela participou de uma reunião pública do Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres da ONU, em Genebra.

Loujain al-Hathloul (foto: divulgação)

Em 2018, sua prisão ocorreu junto com as de outras 11 ativistas. O julgamento delas começou em março do ano passado em meio a uma campanha de difamação da mídia estatal acusando-as de “traidoras” e “agentes das embaixadas”, o que alarmou diplomatas estrangeiros credenciados em Riad. Desde então, as sessões, a última em março passado, foram arbitrariamente anunciadas e realizadas a portas fechadas.

Em outubro deste ano, a ativista fez uma greve de fome — a segunda em 2020 — para protestar contra as condições de sua detenção. Sua família afirmou que ela foi forçada a parar com a greve de fome após duas semanas porque os guardas a acordavam a cada duas horas.

Em 25 de novembro, a família da ativista anunciou que seu caso havia sido transferido por um juiz do tribunal criminal de Riad para um tribunal encarregado de casos de terrorismo. O tribunal especializado foi criado em 2008 para julgar casos de terrorismo, mas, desde então, tem sido utilizado para julgar presos políticos, segundo organizações de direitos humanos.

À época, quando o caso foi transferido, Lina, irmã da ativista, disse que “Loujain parecia fraca no tribunal, tinha convulsões contínuas e sua voz estava fraca e trêmula”, em um tuíte logo após a audiência. No início daquele mês, o Comitê de Direitos da Mulher da ONU afirmou que a deterioração de sua saúde era “muito alarmante” e pediu sua libertação “imediata”.

Segundo o ministro saudita das Relações Exteriores, Faysal bin Farhan al Saud, Loujain é acusada de ter mantido contato com Estados “hostis” ao reino e de ter repassado informações confidenciais. No entanto, a família da ativista afirma que o governo não forneceu nenhuma evidência tangível que suporte essas acusações.

Detida pouco antes de a Arábia Saudita encerrar a proibição de mulheres dirigirem, Loujain se tornou um símbolo das complexidades da nova Arábia Saudita sendo moldada pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman. O governante de fato de 35 anos concedeu às mulheres mais direitos, afrouxou as restrições sociais e atraiu investimento estrangeiro. Ao mesmo tempo, reprimiu a dissidência dentro do país, detendo muitos clérigos, empresários, intelectuais e ativistas bem conhecidos.

Esse laço apertado criou uma nova geração de dissidentes sauditas e estimulou o aumento da defesa dos ativistas no exterior — incluindo os irmãos de Loujain —, causando constrangimento ao reino. Vários sauditas no exílio contrataram lobistas ou advogados americanos para chamar atenção para seus casos no período que antecedeu as eleições nos EUA.

No entanto, autoridades dão poucos sinais de que a pressão será aliviada, à medida que continuam prendendo sauditas em todo o espectro político e religioso. Mohammed ainda não mostrou qualquer flexibilidade, mesmo depois da enxurrada de críticas sobre o assassinato brutal do jornalista Jamal Khashoggi há dois anos.

A sentença de Loujain veio quase três semanas após um tribunal de Riad determinar a prisão do médico saudita-americano Walid al-Fitaihi por seis anos, apesar da pressão dos EUA para libertá-lo. Grupos de direitos humanos consideram o caso com motivações políticas.

Diplomatas estrangeiros disseram que os dois julgamentos, de Loujain e de Walid, têm o objetivo de enviar uma mensagem ao país e ao exterior de que a Arábia Saudita não cederá à pressão sobre questões de direitos humanos.

Segundo um diplomata, Riad também pode usar as sentenças para influenciar futuras negociações com o governo de Biden.

Com informações do Jornal Extra